Entrevista:O Estado inteligente

sábado, julho 23, 2005

VEJA O desmonte da farsa

O resultado

De como a farsa do crime eleitoral
é desmontada e a perplexidade
com a entrevista de Lula em Paris


Celso Junior/AE
O DEPUTADO-BOMBA
Jefferson, que esteve com a cúpula do PFL: vinho, queijo e, numa mudança de rumo, ataques contra Lula


Na terça-feira passada, chegaram à CPI dos Correios caixas de documentos sobre a movimentação bancária de Marcos Valério no Banco Rural, a instituição que esteve no centro do esquema financeiro do PT. No momento em que as caixas foram abertas e os documentos passaram a ser analisados, a tese do crime eleitoral começou a desabar – e a suspeita de que havia mensalão começou a se comprovar. Até a sexta-feira, a CPI já descobrira que pelo menos sessenta pessoas, todas ligadas a políticos, haviam sacado cerca de 60 milhões de reais na agência do Rural e nas agências do Banco do Brasil. O número, por si só, derruba a tese de crime eleitoral. Delúbio diz que Valério tomou 39 milhões de reais emprestados para dar a petistas e aliados, mas a conta já chegou a 60 milhões. Entre os casos descobertos está justamente o do ex-presidente da Câmara dos Deputados João Paulo Cunha. Sua mulher, Márcia, esteve no Rural em Brasília em setembro de 2003 e sacou 50.000 reais. Antes, o deputado dissera que ela fora ali tratar da conta de sua TV a cabo.

A revelação foi tão devastadora que até petistas se renderam às evidências. "O mensalão existiu", afirmou o presidente da CPI dos Correios, senador Delcidio Amaral, do PT de Mato Grosso do Sul. "Houve remuneração a deputados", concordou Ricardo Berzoini, que deixou o Ministério do Trabalho para assumir a secretaria-geral do PT. A prova do mensalão veio associar-se a outros dois dados incômodos para o governo. Um foi a reportagem de capa da edição passada de VEJA, na qual se mostrava que Lula foi alertado cinco vezes sobre o mensalão, entre fevereiro do ano passado e março deste ano. O outro fator foi a entrevista do presidente em Paris, que causou perplexidade entre os políticos. De início, suspeitou-se que Lula estivesse participando diretamente da divulgação de uma versão previamente combinada, colocando-se, nesse caso, no mesmo patamar de um Delúbio Soares ou um Marcos Valério. O Planalto apressou-se em desmentir qualquer combinação.


Eptacio Pessoa/AE
PROVA DOCUMENTAL
João Paulo Cunha e sua mulher, Márcia: confirmado o saque de 50 000 reais

O desmentido, porém, não resolve. Se Lula não embarcou na combinação, como descobriu que o PT tem caixa dois e faz o que se faz sistematicamente no país? Isso significa que o presidente, sem ser avisado nem orientado por ninguém, revelou um quadro criminoso que conhecia havia tempo? Juntando os três fatores – a prova do mensalão, as cinco vezes em que Lula foi alertado e sua entrevista em Paris –, criou-se em Brasília uma atmosfera francamente desfavorável ao próprio presidente, cuja figura vinha sendo cuidadosamente preservada até pela maior parte da oposição. Na terça-feira, depois de uma reunião com os senadores tucanos Tasso Jereissati e Arthur Virgílio, além do pefelista José Agripino, o senador Jorge Bornhausen, do PFL de Santa Catarina, assim resumiu o clima entre pefelistas e tucanos: "Está encurtando o limite legal da presunção da inocência do presidente Luiz Inácio Lula da Silva".

No dia seguinte, Bornhausen recebeu o deputado Roberto Jefferson em sua casa. Os dois tomaram vinho, beliscaram cubos de queijo e conversaram por pouco mais de uma hora. Na conversa, Jefferson, pela primeira vez desde que apresentou suas denúncias, mostrou inclinação em não mais preservar o presidente Lula. Para Bornhausen, Jefferson reafirmou que avisara Lula duas vezes sobre o mensalão. Com receio de que a crise evolua para seu pior desfecho, com um eventual impedimento do presidente, a oposição iniciou conversas com o empresariado. No primeiro compromisso dessa natureza, Bornhausen almoçou com João Roberto Marinho, dono das Organizações Globo, no Rio de Janeiro. A idéia é evitar que a crise, aconteça o que for, provoque um impasse de caráter institucional e acabe por contaminar o bom momento da economia do país.

Apesar da notável piora da situação geral na semana passada, a oposição não parece motivada para promover o impeachment de Lula. Na última semana, o senador petista Delcidio Amaral sondou colegas da oposição, como os tucanos Tasso Jereissati e o governador Aécio Neves, de Minas Gerais, e não encontrou disposição para tirar Lula do cargo. Nos bastidores, há um movimento explícito para tentar limitar o alcance da crise, evitando que chegue ao presidente e, também, que se espraie excessivamente dentro do próprio Congresso. A crise, na semana passada, subiu definitivamente a rampa do Planalto, mas há muito já abalou o espírito do presidente. Lula está tenso, nervoso e irritado, principalmente com o PT. Por duas vezes, ele chorou durante um desabafo com aliados. Uma vez, ao receber um velho aliado no gabinete presidencial, começou a falar do assunto e acabou em lágrimas. Em outra, durante o vôo que fez na última semana para Recife, também não conseguiu se conter. VEJA ouviu seis personagens centrais do enredo contado da página 58 até aqui (João Paulo Cunha, Marcos Valério, Márcio Thomaz Bastos, Antonio Palocci, Marcelo Leonardo e Arnaldo Malheiros). Uns não deram resposta à revista. Os outros preferiram negar que tenham sabido ou participado da chantagem ou da farsa. Pela qualidade de suas fontes e pela proximidade delas com os fatos, VEJA decidiu narrar o que se leu aqui.

Com reportagem de Antonio Ribeiro, em Paris,
e
Leandra Peres e Julia Duailibi, em Brasília

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