De como Delúbio e Valério caem na tese
do crime eleitoral e o marqueteiro-mor
ensaia o discurso do presidente Lula
Fotos reprodução de TV/Ag. O Globo e Monica Zarattini/AE |
UM ESPANTO Duda Mendonça, o publicitário oficial, e Lula, em imagem da entrevista que concedeu em Paris: coisa espantosa |
A tese do crime eleitoral surgiu logo depois do telefonema em que Marcos Valério começou a chantagear o governo. O telefonema aconteceu na manhã do dia 9 de julho, um sábado. Já na segunda-feira seguinte, o advogado Arnaldo Malheiros, contratado para defender o ex-tesoureiro Delúbio Soares, conversou por telefone com o ministro da Justiça, Márcio Thomaz Bastos. No mesmo dia, Malheiros e seu cliente embarcaram para Belo Horizonte. Ali, encontraram-se com a outra dupla – Marcos Valério e seu advogado Marcelo Leonardo. A conversa girou em torno da tal tese do crime eleitoral. A idéia é simples: Delúbio pediu que Valério contraísse empréstimos junto aos bancos BMG e Rural e destinasse o dinheiro a amigos do PT às voltas com dívidas de campanha. Valério, generoso e prestativo com o amigo, atendeu ao pedido e, pela versão combinada, tomou emprestados 39 milhões de reais – e repassou o dinheiro, a conta-gotas, aos nomes que Delúbio lhe apresentava.
É uma linha de defesa ideal, pois, em sua estrutura, não há corrupção, suborno, propina ou mensalão – só um crime eleitoral, dado o fato de que Delúbio, ao confessar que não contabilizara os 39 milhões de reais nas contas do PT, revelou que seu partido tinha um caixa dois. A punição, prevista no artigo 350 do Código Eleitoral, é de no máximo três anos de prisão, mas nem advogados com longa militância na área do direito eleitoral têm notícia de que alguém tenha ido para a cadeia por isso. Em geral, o crime prescreve antes do julgamento e, além disso, como os réus são primários, a prisão é substituída pela prestação de um serviço qualquer.
Enquanto se acertava uma versão em Belo Horizonte, a mesmíssima versão era apresentada em Brasília, numa longa reunião no gabinete presidencial, no Planalto. Na reunião com Lula, quem mais falou foi Thomaz Bastos. Os outros dois ministros presentes, Antonio Palocci e o novo coordenador político Jaques Wagner, ouviram mais do que se pronunciaram. Thomaz Bastos contou que, em sua visão, a situação estava delicada para o PT, ponderou sobre os perigos de que a crise chegue ao governo e, sutilmente, falou sobre o crime eleitoral, que tinha a tremenda vantagem de circunscrever o problema ao Congresso e ao PT, deixando o governo de fora. Lula não foi orientado a endossar a tese do crime eleitoral, nem foi incentivado a dar entrevista sobre o assunto.
Mas, ainda na segunda-feira, estava em cena o marqueteiro Duda Mendonça, publicitário oficial do petismo. Naquele dia, Duda Mendonça, chamado a Brasília por Lula, submeteu o presidente à última de duas sessões de treinamento sobre como tratar do assunto diante dos jornalistas. Nessas sessões, Duda aconselhou Lula a falar dirigindo-se sempre às classes mais baixas, C, D e E, que ainda lhe depositam alta confiança, desprezando os segmentos A e B, que, segundo o publicitário, já estariam decepcionados com o presidente. Os ecos dessa orientação de Duda seriam ouvidos, dias depois, na espantosa entrevista de Lula em Paris.
Encerrada a reunião em Belo Horizonte na segunda-feira, os advogados e a dupla Valério e Delúbio trataram de evitar que se descobrisse a combinação. Para despistar a imprensa, vazaram até que o encontro fora muito tenso e que Delúbio e Valério por um triz não se atracaram fisicamente. Tudo lorota. A cronologia do que se passou depois disso é eloqüente por si só. Três dias depois, na quinta-feira, Valério desembarcou em Brasília e prestou depoimento ao procurador-geral da República, Antonio Fernando de Souza, que durou oito horas. Contou a história do crime eleitoral.
Na mesma quinta-feira, Malheiros encontrou-se com Thomaz Bastos em São Paulo. Falaram-se pessoalmente. Malheiros disse que Delúbio Soares queria prestar um novo depoimento. O ministro sugeriu que, para agilizar as investigações, o depoimento fosse prestado diretamente ao procurador Antonio Fernando de Souza, a quem chegou a telefonar pedindo que recebesse o cliente de Malheiros. No dia seguinte, sexta-feira, Delúbio prestou um depoimento de três horas. Contou a mesma história do crime eleitoral. Na noite de sexta-feira, Valério apareceu numa entrevista ao Jornal Nacional "confessando" o crime eleitoral. No dia seguinte, a confissão em entrevista foi feita por Delúbio. Em seguida, foi a vez do presidente. Em entrevista concedida em Paris dois dias antes, e reproduzida no Fantástico no domingo, Lula admitiu candidamente que "o que o PT fez do ponto de vista eleitoral é o que é feito no Brasil sistematicamente". Com isso, num de seus movimentos mais desastrosos desde o início da crise, Lula endossou a tese do crime eleitoral que, como se lerá na reportagem da página seguinte, não ficou de pé mais do que dois dias.
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