Entrevista:O Estado inteligente

sábado, julho 23, 2005

VEJA A linguagem corporal da mentira

Está na cara

Não é preciso nem mais ouvir o que dizem;
basta olhar para concluir: mentirosos seriais
submetem o país a um festival de indignidades


Vilma Gryzinski


Fotos Celso Junior/AE; Dida Sampaio/AE; Joedson Alves/AE
DÁ PARA ACREDITAR?
Valério da testa franzida, Delúbio pisca-pisca e Silvio mão-na-boca: sinais exteriores de mentira são a manifestação não-verbal do que todo mundo já suspeitava


Qual o maior mentiroso de todos nesse aluvião de imposturas que estarrece o país? As desculpas esfarrapadas, as lorotas, as cascatas, as patranhas, as patacoadas, os engodos são tantos que o embusteiro de ontem é rapidamente eclipsado por novos e mais vigorosos concorrentes. Vale a pena lembrar, por exemplares, alguns temporariamente fora do ar. Não se fala muito, no momento, de José "Não me lembro que assinei" Genoíno nem de seu irmão, José Nobre "Isso parece armação" Guimarães. Aliás, também anda em baixa o suposto objeto da armação, José Adalberto Vieira da Silva, aquele dos 100.000 dólares escondidos todo mundo sabe onde – esse com tantas desculpas, cada uma mais patética que a outra, que não faz jus sequer a um apodo. E João Paulo "Minha mulher foi acertar uma conta da TV a cabo" Cunha (50.000 reais sacados pela patroa no mais movimentado point de Brasília, a notória agência do Banco Rural)? E o deputado peelista Bispo Carlos "Discutimos alianças com Delúbio pelo país" Rodrigues (150.000 reais)? E José "Eu conheço Marcos Valério en passant" Borba (200.000 reais)? E o mais importante de todos os paroleiros desaparecidos, José "O governo do PT não rouba nem deixa roubar" Dirceu? Alguns estão condenados a voltar ao centro dos acontecimentos, outros serão sugados pelo buraco negro da crise sem deixar vestígios.

Pelo papel seminal que desempenharam no esquema geral da corrupção e pelo destaque que tiveram na última semana, os três mosqueteiros da dinheirama ilícita ocuparam o centro do grande teatro da mentira. Marcos Valério, Delúbio Soares, Silvio Pereira. Só de ouvir esses nomes, e se lembrar de seu desempenho diante das câmeras, em CPIs ou entrevistas, pessoas normais tendem a ter reações semelhantes: reviram os olhos, fazem uma expressão de repugnância, dão um risinho nervoso. São respostas emitidas na mesma linguagem não-verbal que, inconscientemente, registram nos, digamos, depoentes. O vocabulário corporal dos mentirosos é amplamente conhecido pelos estudiosos do comportamento humano: são pálpebras que disparam a piscar, cenhos franzidos que se fixam num roteiro preestabelecido de embuste, mãos que cobrem a boca ou mexem no nariz, olhares enviesados, tronco rígido, membros contraídos.

Tome-se o exemplo de Marcos Valério da última vez que apareceu em público, na entrevista em que tentou vender o engodo batizado de Operação Paraguai: o dinheiro que irrigava contas de petistas e aliados vinha, alegou, de empréstimos bancários contraídos a pedido de Delúbio Soares para saldar dívidas de campanha. Não era preciso nem ouvir os detalhes da versão cambaia para uivar de incredulidade. Dotado de razoável autocontrole, Valério denunciou-se na testa reiteradamente franzida, na teimosa orla de suor sobre os lábios, nos movimentos rígidos da mão. Ao dizer que não nomearia os beneficiários dos "empréstimos" devido a um acordo com a procuradoria, franziu a testa durante 33 segundos. Por que omitiu os supostos empréstimos no depoimento à CPI (os grandes saques em dinheiro, recorde-se, destinavam-se a "pagar fornecedores", de acordo com a segunda e esfarrapada versão – na primeira, ele disse a VEJA: "Lido com gado. Há fazendeiros que não aceitam cheque")? A resposta propiciou quarenta segundos de testa enrugada.

Já em matéria de piscadelas, o campeão é Delúbio Soares. Na segunda dose da Operação Paraguai ele bateu recordes. Em condições normais, uma pessoa pisca em média vinte vezes por minuto. Ao responder à primeira pergunta do repórter da Rede Globo – se confirmava a versão de Marcos Valério –, piscou 52 vezes em cinqüenta segundos. Achava crível que tudo isso fosse feito sem conhecimento da direção do PT? Foram 21 piscadas em oito segundos. E era apenas coincidência que estivesse falando um dia depois de Marcos Valério? Vinte e três vezes em nove segundos. Quatro dias depois, no longo depoimento à CPI, a situação mudou: as pálpebras delubianas estavam quase estáticas, tomadas por tamanha morosidade que se cogitou, com a liberdade propiciada por crise dessas dimensões, sobre um efeito químico.

As manifestações não-verbais de mentirosos seriais evidentemente são apenas indícios. É possível que quem se põe a piscar aceleradamente, com o rosto contorcido e gestos crispados, esteja expressando sinais de nervosismo e tensão. É possível, por exemplo, que quando Silvio Pereira leva repetidamente a mão ao rosto, cobrindo a boca e tocando o nariz, esteja apenas se protegendo do canhoneio da CPI (e pensando em coisas mais amenas, como uma casa na praia, quem sabe um passeio de Land Rover). Os desmentidos que valem são os que vêm na forma de provas documentadas – e não têm faltado. Os comentários sobre os sinais exteriores de mentira são uma reação ao festival de indignidades a que o país tem sido submetido. Identificá-los, e até rir deles, é uma forma de autopreservação num momento de forte stress emocional. Para combatê-los, o remédio ideal é conhecido. "A verdade é avassaladora", avisou o deputado Roberto Jefferson quando pôs fogo na crise. Mesmo já superado pelo ritmo vertiginoso das revelações desencadeadas desde então, ele ocupa uma estranha posição: quase tudo o que falou até agora foi confirmado.

 

Com reportagem de Laura Min

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