Entrevista:O Estado inteligente

terça-feira, julho 05, 2005

Vamos resistir à Polícia Federal

o globo

OCTAVIO GOMES

AConstituição de 1988 erigiu como alguns de seus pilares a cidadania e a dignidade. Em conseqüência de tais fundamentos, direitos foram assegurados. Destacam-se a proibição de tratamento degradante, a presunção de inocência, a inviolabilidade domiciliar, o respeito à privacidade, o sigilo da correspondência e das comunicações e o exercício da ampla defesa. Veda-se, por outro lado, a utilização de provas obtidas por meios ilícitos. Ao mesmo tempo, no âmbito da administração pública, firmaram-se os princípios da legalidade, da moralidade, da impessoalidade, da publicidade e da eficiência.

Circunscritos a esses parâmetros constitucionais é que devemos analisar recentes e repetidas diligências efetuadas pela Polícia Federal prendendo acusados de práticas ilícitas e invadindo escritórios de advocacia, sob o pretexto de coligir provas para sustentar as imputações delituosas. Embora seja elogiável o combate à criminalidade, sobretudo à corrupção que assola o país, tais ações, envolvidas em cenário espetaculoso, com ampla divulgação e cobertura pela mídia, extravasam os limites impostos pela Constituição. Não é bastante para legalizar os abusos o simples fato de que tenham as diligências sido determinadas pela autoridade judicial, muitas vezes a requerimento do Ministério Público.

Em primeiro lugar, expondo à execração pública simples acusados, infringe-se o mandamento de presunção da inocência e desrespeita-se a preservação da dignidade da pessoa humana. E violenta-se o sagrado direito de defesa.

Para assegurar aos cidadãos o inalienável direito de defesa, fez a Constituição dos advogados peças essenciais e indispensáveis à subministração da Justiça, tornando-os, para tanto, invioláveis no exercício da profissão, nos limites da lei.

O local de trabalho dos advogados, seja seu escritório, seja sua residência, é inviolável, estando protegidos seus arquivos, seus dados, sua correspondência, suas comunicações. Tais garantias se dirigem mais à cidadania que aos advogados individualmente. O cliente acuado deve ter segurança de que seus segredos pessoais, confiados a quem deve defendê-lo, não serão violados. Os documentos e dados que entregar ao advogado devem estar protegidos, sob pena de se tornar inócua sua defesa.

Permitir que os segredos profissionais sejam violentados, sob pretexto de apuração criminal, equivale a negar a ampla defesa bem como a presunção de inocência asseguradas pela Constituição. A apreensão de documentos confiados aos advogados para incriminação de seus clientes assemelha-se à utilização de prova obtida por meio ilícito.

É claro que a lei permite a busca e apreensão em escritório de advocacia, quando ordenada por autoridade judicial. No entanto, tal busca não pode estar contida em mandado genérico, inespecífico e não pode atingir o funcionamento normal da atividade profissional. De outro ângulo, não se pode confundir a atividade profissional do advogado com a prática delituosa impingida a seu constituinte.

Somente quando o advogado se envolve com a prática delituosa, ultrapassando as barreiras do exercício profissional, aí sim, e só nesse caso, poderá ele ser o alvo da diligência. Em tais hipóteses, a Ordem dos Advogados do Brasil tem sido implacável. Não protege seus filiados que se afastam da senda do direito e perfilham o caminho do ilícito, protegendo-os sob o manto do corporativismo.

A Ordem não vai permitir que prossigam as autoridades e seus agentes nesse caminho. Não admitiremos mandados de busca genéricos, que permitam invasões dos escritórios, paralisação de suas atividades, violação de arquivos, correspondências e exposição pública de segredos e dados que foram confiados aos defensores da cidadania. Vamos resistir e impedir tais atos, ainda que seja necessário enfrentamento, pois, a rigor, confia a Ordem no Poder Judiciário, que saberá repor as coisas nos seus devidos eixos, punindo os excessos e reprimindo as vaidades, sob pena de vermos rasgada a Constituição e o retorno funesto ao regime de exceção.
OCTAVIO GOMES é presidente da OAB-RJ.

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