Um grupo de economistas, banqueiros, lideranças empresariais e representantes do governo, entre os quais o ministro da Fazenda, Antonio Palocci Filho, reúne-se hoje em Brasília para um jantar que terá como prato principal a proposta do deputado Delfim Netto de zerar o déficit público nominal no prazo de seis anos. Ao fim desse período, todas as despesas públicas, incluindo o pagamento de juros da dívida, seriam cobertas pelas receitas.
O objetivo é trocar a âncora monetária, ou seja, a política de juros altos utilizada nos últimos anos para conter a inflação, pela âncora fiscal, baseada na contenção de gastos de custeio. No entender do ex-ministro da Fazenda, um esforço nesse sentido permitiria que o Banco Central cortasse a taxa básica -hoje em 19,75%- de maneira expressiva.
Com o aprofundamento da crise política, o plano de Delfim Netto vai sendo visto como uma maneira de o governo reagir aos acontecimentos. Aumentaria a "blindagem" da economia e ofereceria mais garantias de que a equipe econômica não cederá a tentações populistas.
Há, no entanto, uma série de questões que precisam ser mais discutidas e esclarecidas. A começar pela garantia de que a política monetária efetivamente caminharia para uma redução substancial dos juros -sem o que o plano não faria sentido.
Outra dificuldade reside na dimensão do corte proposto. Em 2004, que foi um ano de crescimento, o setor público gerou um superávit primário (receitas menos despesas, excluídos os gastos com juros) de R$ 81 bilhões. Este resultado foi suficiente para pagar 63% dos juros, que atingiram R$ 128,3 bilhões -ou 7,3% do PIB. Com isso, o déficit nominal do setor público ficou em R$ 47,1 bilhões, equivalentes a 2,7% do PIB. Para este ano, espera-se um resultado menos favorável.
Não há dúvida que há despesas a cortar na administração pública e que um "choque de gestão" seria bem-vindo, mas é difícil perceber como uma redução desse porte poderia ser realizada sem prejudicar serviços fundamentais prestados pelo Estado. Com efeito, pela proposta de Delfim seria preciso reduzir a vinculação dos gastos federais, isto é, a obrigatoriedade de destinar determinadas parcelas do Orçamento à área social. Na prática, a desvinculação tende a se traduzir em menos verbas para a educação e a saúde.
É preciso considerar também que a inflação brasileira não tem sido alimentada nos últimos anos pelo déficit público, mas, sim, pela volatilidade do câmbio, pelos choques de oferta, como o aumento da cotação do petróleo, e pela indexação de tarifas.
Resta, por fim, a questão política. Tudo sugere que o governo federal não reuniria condições para aprovar no Congresso as medidas necessárias para implementar o plano. Em meio às denúncias e revelações sobre corrupção em estatais e o suposto esquema do "mensalão", o quadro político deteriora-se de maneira dramática. Se, há poucos meses, a reeleição do presidente Luiz Inácio Lula da Silva era tida pelos analistas políticos como praticamente certa, hoje já há membros do próprio governo que consideram a possibilidade de o presidente nem sequer se candidatar.
É possível que, no jantar de hoje, em Brasília, surjam respostas para algumas dessas questões, mas dificilmente haverá consenso sobre a viabilidade da proposta. O debate lançado por Delfim Netto, no entanto, tem o mérito de reconhecer o esgotamento da atual política econômica e buscar uma saída para a perversa conjunção de alto endividamento público com taxas de juros elevadíssimas, que acabam induzindo a uma valorização excessiva do real, acarretando resultados pífios do ponto de vista do crescimento -um círculo vicioso que se repete há anos.
Entrevista:O Estado inteligente
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