Entrevista:O Estado inteligente

terça-feira, julho 05, 2005

Miriam Leitão :Qual direita?

o globo

O PFL é de direita e é contra o governo. O PP é de direita e é a favor do governo. O PSDB, de centro-esquerda, é contra o governo; o PMDB, de centro-direita, é a favor do governo. Os senadores Antonio Carlos Magalhães e José Sarney foram da Arena, depois do PDS; um foi ministro de outro e, se forem definidos por essa velha classificação, pode-se dizer que ambos são de direita. ACM é contra o governo, Sarney é grande aliado.
Pode-se continuar a lista. Fernando Gabeira é de esquerda. Sempre foi. Está fora da base de sustentação do governo. Renan Calheiros é de direita, é um grande aliado do governo. O PL, se tem alguma classificação, só pode ser de direita e é aliado de primeira hora. O PPS, de esquerda, foi a favor e hoje é contra o governo. A Fiesp é de direita e tem um ministro, o do Desenvolvimento Econômico, Luiz Fernando Furlan. A CNA é de direita e tem o ministro da agricultura, Roberto Rodrigues. A CNI tem o líder do governo no Congresso, senador Fernando Bezerra. De que direita eles estão falando?


Não existe uma conspiração de direita como sustentam integrantes do governo e da direção do PT. O tesoureiro do partido, Delúbio Soares, explicitou de forma mais clara a patética tese da conspiração da direita que esteve desde a primeira hora nos discursos oficiais. Não há essa conspiração simplesmente porque a direita está dentro e fora do governo, ao mesmo tempo. Além disso, o conceito não existe mais, perdeu seu significado na queda do Muro de Berlim, na atualização do pensamento da esquerda européia, na constatação de países como o Chile de que idéias, supostamente de direita, são apenas boas idéias, como estabilidade monetária, controle fiscal, abertura da economia e respeito a regras e contratos. Idéias que estavam na Carta aos Brasileiros, do então candidato de esquerda do Brasil.

Os banqueiros tiveram lucros recordes, as grandes empresas aumentaram sua rentabilidade, multinacionais remeteram muito lucros. Banqueiros, grandes empresas nacionais e estrangeiras, se forem alguma coisa no quadro político, serão de direita e não de esquerda.

Não trabalhar durante anos e continuar recebendo dos cofres públicos, como faz o cidadão Delúbio Soares, é um comportamento de direita ou de esquerda? Mesmo que essa designação tenha perdido o sentido, sabe-se que a esquerda sempre se bateu pela tese de que os recursos públicos deveriam ser preferencialmente dos mais pobres. Sendo assim, Delúbio, que não é pobre, e que deu uma despesa ao governo quando se pendurou na Secretaria de Educação de Goiás, estava adotando uma atitude que o genuíno pensamento de esquerda rejeitaria.

Existem hoje outras divisões mais relevantes do que esses nomes de fantasia que vigoraram no século passado. Um deles é a diferença entre o que é democrático e o que não é. Os aliados internacionais que o governo Lula mais bajula são antidemocráticos. Fidel Castro porque caduca no poder há meio século, matando e prendendo dissidentes, e Hugo Chávez, que manipula com técnicas populistas a vasta maioria miserável do país e, uma vez no governo, mudou leis, regras, constituição, composição da Suprema Corte e do Conselho Eleitoral para se eternizar no poder. Lula não se parece com nenhum dos dois e faz essa conexão apenas em nome de uma suposta esquerda, que não existe mais.

Outra divisão que existe, e continuará existindo, é a de políticas que transferem renda para o cidadão mais pobre e as que concentram renda. O Bolsa Família nasceu do Bolsa Escola, do governo passado. Na sua base, há uma idéia simples e sensata de apoio direto aos mais pobres, que é defendida tanto por parlamentares como Eduardo Suplicy e Cristovam Buarque, de esquerda quanto por organismos multilaterais como o Banco Mundial, que é fácil classificar como de direita.

Políticas que concentram renda sempre estiveram no ideário do PT: política industrial com transferência de renda para grandes grupos nacionais, barreiras ao comércio que elevam o preço dos produtos aqui dentro aumentando os lucros dos oligopólios, políticas de defesa corporativa que aumentam as vantagens de alguns setores organizados, transferência de dinheiro público para fundos de pensão de estatais, previdência privilegiada para funcionário público, aposentadoria precoce para a elite dos trabalhadores que pode aposentar-se por tempo de serviço, subsídio à educação da classe média e dos ricos através de deduções no Imposto de Renda e universidade gratuita. Tudo isso concentra renda; tudo isso, portanto, é de direita. Tudo isso sempre foi defendido pelo PT.

O governo e seu partido deveriam abandonar as classificações fantasiosas e as explicações delirantes para ver realmente o que está acontecendo. Os interesses do governo e do partido se misturaram de forma promíscua e isso beneficia interesses privados. Não foram adotados critérios de transparência, lisura na condução de inúmeras transações feitas entre governo, estatais e seus fornecedores. Não houve a devida preocupação com conflito de interesses como no caso do empréstimo ao PT com o aval, supersolidário, de um publicitário cheio de contas no governo.

Evitar conflitos de interesse, separar público e privado, adotar critérios de transparência e prestação de contas não são de esquerda nem de direita. São a coisa certa a fazer. Não existe mais esquerda e direita, existe o certo e o errado e o governo errou.

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