Entrevista:O Estado inteligente

quinta-feira, julho 14, 2005

"Solidariedade" bilionária editorial O Estado de S Paulo



A Geap Fundação de Seguridade Social, uma entidade fechada de previdência complementar que também administra planos de saúde e planos de assistência social em regime de autogestão no âmbito do funcionalismo público federal, está de volta ao noticiário dos jornais. Tendo faturado cerca de R$ 1,7 bilhão em convênios sem licitação com 29 ministérios e autarquias, desde o início do governo do PT, ela conseguiu prorrogá-los por mais 120 dias. Dirigida por Regina Parizi Carvalho, uma candidata petista a deputado derrotada em São Paulo nas últimas eleições, esta foi a terceira prorrogação que obteve junto ao Tribunal de Contas da União (TCU), o que lhe vem permitindo assegurar o monopólio virtual na prestação desse tipo de serviço entre os servidores federais.

A última vez em que a Geap esteve no noticiário foi em fevereiro de 2004. Na época, por pressão do PT, o presidente da República assinou um decreto obrigando ministérios, autarquias e até empresas estatais a contratar seus serviços de "autogestão compartilhada e solidária" e a cancelar contratos firmados com operadoras privadas. O problema é que várias destas empresas haviam sido escolhidas por meio de concorrência pública, como determina a legislação, o que levou Lula ao constrangimento de ter de expedir um novo decreto para corrigir as aberrações jurídicas do primeiro.

O mais grave é que, agora, a terceira prorrogação foi autorizada pelo TCU com base numa simples consulta formulada "em caráter de urgência", após uma negociação que envolveu a diretoria do Geap, a Federação Nacional dos Sindicatos de Trabalhadores em Saúde, Trabalho e Previdência Social e o então ministro da Saúde, Humberto Costa, recém-afastado do cargo. Há sete anos, o TCU já havia determinado a rescisão dos contratos que a Geap assinou sem licitação com órgãos públicos federais, mas a entidade recorreu. Como o processo se arrasta até hoje, aguardando julgamento de mérito, a nova prorrogação causou perplexidade, pois os ministérios, as autarquias e as estatais assistidas pela Geap simplesmente esperaram o final do prazo de seis meses da segunda prorrogação, para encaminhar sua "consulta".

Em sua defesa, a Geap alega que, por trabalhar sob a forma de autogestão sem fins lucrativos, estaria legalmente dispensada de participar de concorrências públicas, tornando-se assim "operadora preferencial" do Executivo, o que é uma pretensão absurda, na medida em que contraria a própria ordem jurídica em vigor. "As empresas privadas querem a fatia dos servidores na marra", afirma Regina Parizi Carvalho, que ganhou "na marra" o monopólio virtual que exerce, criticando a decisão dos planos de saúde de recorrer à Justiça – um direito assegurado pela Constituição – para obrigar os órgãos públicos federais a promover as licitações exigidas por lei.

Essa prorrogação de um monopólio virtual se deu de forma tão nebulosa que o deputado distrital Augusto de Carvalho (PPS-DF) viu nela mais uma forma do governo do PT transferir recursos públicos para aliados. "É impressionante como a Geap, comandada por um partido político, tem força até para mudar acórdãos do TCU", diz ele. Criada em 1945, no estertor do Estado Novo varguista, no âmbito do antigo Instituto de Aposentadoria e Pensões dos Industriários (Iapi), a Geap se converteu com o tempo em fundação de seguridade e, em 1999, sofreu enorme crise financeira, o que a levou a pedir mais recursos a seus principais patrocinadores – os Ministérios da Saúde, do Trabalho e o INSS – e a aumentar de 4,5% para 6,8% a contribuição dos servidores.

Por ironia, a Geap invoca a solidariedade como seu principal objetivo. "A motivação solidária de sua criação permanece em sua missão e como principal característica da assistência à saúde e social que oferece ao funcionalismo. A solidariedade está presente em tudo: cada servidor inscrito contribui com o que pode, de acordo com sua remuneração, e todos têm a mesma assistência", diz em sua home page.

O texto, como se vê, foi redigido com base em argumentos "politicamente corretos". Os fatos, porém, sinalizam para outra direção. Que solidariedade é essa, que depende de um monopólio de fato e deixa os servidores federais sem as vantagens que só as licitações costumam propiciar?


 

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