Entrevista:O Estado inteligente

quinta-feira, julho 14, 2005

A féria de um dia editorial O Estado de S Paulo

Talvez nem devesse mais chocar a dinheirama que tem sido descoberta, em pacotes de cédulas vivas e circunstâncias suspeitíssimas – como os R$ 200 mil que estavam na mala e os US$ 100 mil escondidos na cueca do assessor do irmão do ex-presidente do Partido dos Trabalhadores –, pois, afinal de contas, malas com muito dinheiro, para lá e para cá, é do que mais se fala nestes tempos de purgação de uma corrupção desenfreada, sistêmica, que a sociedade brasileira vai desvelando, com perplexidade.

Mas não deixou de causar o maior espanto, especialmente pelo volume (nada menos do que R$ 10,2 milhões), a quantidade de dinheiro apreendido pela Polícia Federal, em sete malas, no Aeroporto de Brasília, a ser transportado em avião particular pelo deputado federal (PFL-SP) e bispo da Igreja Universal do Reino de Deus João Batista Ramos. Espanta porque sinaliza para algo tão ou mais grave do que aquilo que representa o "mensalão", visto que diz respeito a uma poderosa "máquina de fazer dinheiro" isento de impostos – com o qual vai comprando poder político – assentada na exploração da boa-fé e da religiosidade das camadas mais carentes da população.

Diga-se, de antemão, que em si não há crime na posse ou transporte de dinheiro vivo, mesmo que em grandes quantidades – no caso, em cédulas de R$ 5 a R$ 100. As suspeitas que podem haver se referem à possibilidade de tratar-se de lavagem de dinheiro, sonegação fiscal, crime contra a ordem tributária e contra o sistema financeiro. Mas a origem da dinheirama é sem dúvida a declarada pela Igreja Universal, ou seja, a soma de doações ou dízimos arrecadados dos fiéis.

A Polícia Federal precisou tomar emprestadas máquinas de contar dinheiro e, assim mesmo, levou mais de dez horas para realizar a obrigatória contagem. E, por incrível que pareça, tal montanha de dinheiro corresponde aos dízimos pagos apenas no domingo (dia do aniversário de 28 anos da entidade), por crentes da Universal de regiões do Amazonas e de Brasília. Pode-se imaginar o que seja a féria semanal da Igreja Universal em todo o território nacional, para não falar nas suas filiais no exterior. Se o recolhimento de tanto dinheiro de pessoas pobres e miseráveis não chega a ser ilegal, é, no entanto, profundamente imoral.

Essa formidável máquina ("pentecostal") de fazer dinheiro – isento de impostos – se mantém e cresce, de forma avassaladora, pela posse que tem e uso que faz de vasta rede nacional de veículos de comunicação social, a saber, rádio e televisão. Há canal de televisão que outra coisa não apresenta ao público além de uma pregação contínua, com todos os clichês da emotividade piedosa, no que nunca deixa de introduzir o apelo (bíblico?) do dízimo, sempre "em o nome do Senhor". Mas é claro que o grande poder econômico, que logrou conquistar concessões de canais de TV e rádio, haveria de buscar uma interferência direta na representatividade política do Congresso – e a tem obtido, ao eleger uma bancada expressiva no Legislativo federal. Pouco importa, no caso, a que partido pertença um deputado ou um senador, posto que os interesses maiores que representa são sempre o de sua igreja.

Eis por que o fato de o deputado João Batista pertencer, no momento da sua prisão, ao PFL, não justifica a intensa aflição, exibida pelo presidente da agremiação, senador Jorge Bornhausen que só se acalmou com sua expulsão. Mesmo que os governistas não percam a oportunidade de enfatizar a cena (da dinheirama no aeroporto), por aí vislumbrarem uma pausa para respiro, visto que tal escândalo dividirá os espaços da mídia com o mensalão, a verdade é que esse caso não compromete o PFL – pelo menos diretamente –, mas dá uma pequena amostra do "poder de bala" de uma organização religiosa. Se não é ilegal arrecadar tanto dinheiro de pobres e miseráveis, será legal usar esse dinheiro que não paga impostos para comprar canais de rádio e televisão?

No momento em que mais se exige transparência nos relacionamentos com o Estado – e os canais de rádio e televisão são concessões do Estado –, não seria oportuna, também, uma séria investigação nos métodos de "recolhimento" das chamadas igrejas "pentecostais"?


 

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