Entrevista:O Estado inteligente

sábado, julho 16, 2005

Saudades do Montoro

e-agora

Sergio Fausto (


No redemoinho político das últimas semanas, lembrei-me de um episódio rememorado por Luiz Fernando Veríssimo em alguma entrevista que li na imprensa há algum tempo. Curiosa associação, a minha, porque à primeira vista o fato ocorrido com um Veríssimo ainda menino nada tem a ver com a torrente atual de denúncias e revelações de corrupção e aparelhamento do estado. Mas vamos à história.

Nas asas da antiga Panair, viajando aos Estados Unidos, onde seu pai, Érico, serviria como cônsul do Brasil em Los Angeles, Luiz Fernando foi indagado com um "o que foi menino?" por uma aeromoça que o percebeu triste. Sabe-se lá se por ironia, a mesma que o faria célebre, ou pela inclinação das crianças a personificar seus sentimentos, ele respondeu à: - Moça, é saudades do Dr. Borges de Medeiros (líder político gaúcho, à época já morto, que havia dominado a política de seu estado por mais de uma década).

Pois eu, que não tenho o talento de Veríssimo para a ironia e já não sou mais menino, também ando com saudades de um velho político: André Franco Montoro.

Com o perdão da comparação anacrônica, Montoro foi o inverso de Borges de Medeiros: este, um chefe político autoritário, defensor da centralização do poder em mãos de um executivo forte; aquele, um político de alma, cabeça e atuação democráticas. Sou insuspeito para dizer, porque demorei a perceber a grandeza que tinha, embora tenha-lhe dado meu primeiro voto para governador do estado, em 1982.

Estudante da Usp, filho de intelectuais, agnóstico por formação, achava-o repetitivo em seus discursos, pouco brilhante em suas idéias, limitado em suas proposições políticas. Na minha boba arrogância, não me dava conta de que a repetição servia à pregação democrática de idéias que, na sua simplicidade, eram inovadoras: descentralização, parceria com a sociedade civil, apoio aos pequenos empreendimentos, etc.

De início, enxerguei "o senador dos trabalhadores", de quem Fernando Henrique era suplente, como uma alternativa preferível ao sectarismo do PT e de Lula. Apenas isso. O que, pensando melhor, não foi pouco, dado o clima que então se vivia na Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas: amigos, amigas, namoradas, professores, a grande maioria era PT. Para quem, como eu, não era petista e sequer simpatizava com o PCB, o velho partidão, sobrava a etiqueta supostamente pejorativa de "liberal democrata", da qual não me envergonhava.

Montoro foi um dos poucos políticos brasileiros que deixou uma linhagem, sem filhotismo, sem formar máquina, sem criar séquito. Linhagem no melhor sentido da palavra, fundada em valores e práticas. Em seu governo, reuniu e projetou não alguns, mas muitos dos melhores quadros técnicos e políticos de que o país dispõe. Gente que se distingue pela compostura e competência no execício da função pública e pelo compromisso com o fortalecimento das instituições e da cultura democráticas.

Por isso, em meio ao deprimente espetáculo de incompetência e despudor a que assistimos, me dá saudade, mas muita saudade mesmo de André Franco Montoro.

Que o PSDB, de quem foi fundador, faça do legado vivo de Montoro inspiração para ajudar o Brasil a retomar o rumo da compostura.

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