Entrevista:O Estado inteligente

sábado, julho 16, 2005

AUGUSTO NUNES : A sensatez recomenda uma só CPI

jb

A gritaria de Ideli Salvatti contrasta com a lucidez do excluído Pedro Simon e a objetividade da ex-juíza Denise Frossard

O mais forte barbitúrico provocaria menos bocejos que os primeiros momentos da CPI dos Correios. A performance do bandido-herói Roberto Jefferson acelerou o ritmo, ampliou a audiência e sugeriu que o grupo de parlamentares investigadores havia encontrado o caminho e o compasso adequados. Engano. O elenco bisonho e o enredo espertamente preguiçoso reduziram a CPI a um patético novelão. Faz sentido: de onde menos se espera é que não vem nada mesmo.

Na quinta-feira, o maleiro Marcos Valério, um dos generais da bandalheira, rendeu-se ao procurador-geral da República: se lhe garantirem a redução da pena, dirá tudo o que sabe. No mesmo dia, a CPI ainda tentava marcar o segundo depoimento de Valério. Faltam datas. A agenda está tomada por diretores dos Correios e arapongas aprendizes. Logo chegará a vez dos carteiros. Enquanto isso, nos camarins dos astros descansam José Dirceu, Genoino, Delúbio, Luiz Gushiken, João Paulo Cunha e outras estrelas do pântano.

A primeira aparição de Valério foi especialmente irritante. Beneficiado por um habeas-corpus concedido pela indulgência do STF, falou pouco e mentiu muito. Os inquisidores aderiram ao show de exibicionismo e mediocridade. Salvaram-se o senador Jefferson Peres e a deputada Denise Frossard, que dominam a arte da pergunta curta e pertinente. Brilhou o senador Pedro Simon, excluído da CPI por excesso de honestidade.

Até agora, os detetives parlamentares não fizeram nenhuma descoberta relevante. (Primeiro, porque os governistas querem mais é ocultar a verdade. Depois, porque os artistas parecem mais atentos às câmeras de TV que à drenagem do lamaçal.) Os brasileiros é que descobriram interessantes singularidades do Legislativo. Agora sabem, por exemplo, que a semana do Congresso (e das CPIs) sempre tem três dias, seja qual for o tamanho da crise.

Também puderam conhecer melhor certos atores. Hoje sabem que a senadora Ideli Salvatti é um berreiro à procura de alguma idéia. Que a senadora Heloísa Helena informa de hora em hora que perdeu para o PT os melhores anos de sua vida. Que o deputado Jorge Bittar controla acessos de coragem quando Jefferson entra no saloon. Que Vossa Excelência é tratamento reservado a parlamentares: um depoente não passa de Vossa Senhoria.

E vão constatando, sobretudo, que a CPI dos Correios é uma bobagem redundante. As irregularidades ocorridas no mundo postal, expostas pela gravação que mostrou um chefe de departamento embolsando propinas, têm sido investigadas também pela Comissão de Ética e pela Corregedoria da Câmara. A história está desvendada, basta punir a quadrilha. Deputados e senadores estão perdendo tempo com bijuterias. Para alívio da nação, o Ministério Público, a Polícia Federal e a imprensa tratam de vasculhar o que interessa.

Desde que Jefferson acionou seu superventilador, o Brasil acompanha, estarrecido, a interminável procissão dos patifes estrelados: corruptos ou corruptores, ladrões, extorsionários, comerciantes de cargos públicos, lavadores de dinheiro, punguistas de verbas, sonegadores, homens da mala ou da cueca - todas as ramificações da bandidagem estão representadas. Se a sensatez prevalecer, o Congresso concentrará numa só comissão - a CPI da Corrupção - a apuração dos escândalos. Caso contrário, será dissolvido pelas urnas.

Impressionado com as dimensões da Operação Narciso, que mobilizou 280 combatentes na invasão da Daslu, o Cabôco pergunta: por que a Polícia Federal não desloca parte dessa tropa para ajudar a concluir o inquérito, aberto há um ano e meio, sobre as bandalheiras de Waldomiro ''Um por Cento'' Diniz?

Cuecas, malas, milagres e malandragens

O filósofo Luiz Gushiken está com a razão: tudo tem seu lado positivo. O militante petista Adalberto Vieira da Silva, preso pela Polícia Federal quando tentava embarcar em São Paulo com R$ 200 mil na mala e US$ 100 mil na cueca, entrou na lista dos suspeitos de corrupção. Essa é a notícia ruim. A boa informa que o maior verdureiro do mundo é brasileiro: a dinheirama, garante, resultou da venda do que colhera.

Agência de Notícias/Polícia Federal

Para juntar tal bolada, um agricultor precisa vender 12 toneladas de verduras, suficientes para abarrotar 100 caminhões. Se operou tal proeza em um dia, Adalberto tem vaga assegurada no céu, ao lado dos santos milagreiros. Não precisa comprar na Igreja Universal do Reino de Deus o ingresso vendido por bispos. Um deles é o deputado João Batista Ramos da Silva. Preso quando pastoreava R$ 10 milhões amontoados em sete malas.

Gerúndio premiado

Promovido a dirigente do partido, honraria que o afastou do Ministério da Saúde, o médico Humberto Costa parece fora de forma. Depois de um ligeiro exame da crise política, formulou o diagnóstico que lhe garantiu a taça:

''O PT está sangrando''.

O gerúndio é outro, doutor. Malas e mensalões não provocam hemorragias. Só dão cadeia.

Kiribati, o retorno

A coluna de domingo passado publicou trechos do caudaloso telegrama enviado ao Itamaraty pelo cônsul-geral em Sidney, Arnaldo Carrilho. O documento detalha sua passagem por Kiribati, conjunto de 33 atóis nos cafundós da Oceania. Missão a cumprir: obter o apoio daquele país ao ingresso do Brasil no Conselho de Segurança da ONU.

O talento narrativo do diplomata induziu numerosos leitores a pedir mais. A coluna escolheu o momento em que o Conquistador da Oceania marcha sobre a sede do governo, onde seria recebido pelo presidente Anote Tong. ''O palácio era modesto'', decola. E acelera:

''No trajeto sucediam-se ricas construções como o palácio episcopal (católico), a embaixada formosina e as sedes dos Altos Comissariados da Austrália e Nova Zelândia''. O casarão do bispo impressionou fortemente o diplomata brasileiro.

''Espampanantemente volumoso, destacou-se na paisagem de coqueirais com uma fileira de 12 janelões na fachada'', resume. Em seguida, viaja pela morada de Tong. ''Observamos que todos os funcionários, salvo o presidente e seu secretário que calçavam sandálias de couro e trajavam saiote tradicional, camisa de manga curta e gravata, locomoviam-se descalços pelos corredores labirínticos e salas de trabalho, onde se encontram outras pastas, cada uma ocupando dois ou três cômodos da casa''.

A missão em Kiribati não garantiu outro voto na ONU, mas revelou um estilista e tanto. Palmas para o Itamaraty.

A festa precede a vaia

Escolhido para o cargo de ministro do Trabalho, desocupado pela promoção do companheiro Ricardo Berzoini a dirigente do PT, Luiz Marinho retribuiu às vésperas da posse o presente de Lula. Ainda presidente da CUT, mobilizou quase mil militantes de centrais numa amistosa ocupação do Palácio do Planalto.

Lula ouviu sem sorrisos o elogio da insensatez. "Não ousem derrubar o operário do poder", avisou Wagner Gomes, figurão da CUT e do PCdoB, sem identificar os destinatários da ameaça. Antônio Neto, chefe da Central Geral dos Trabalhadores, acusou a imprensa de apoiar o golpe.

"A mídia burguesa não se conforma com a vitória de um operário", informou. Além da discurseira, os companheiros ofereceram ao presidente um "kit descarrego": figa de Oxum, carranca do São Francisco, fita do Senhor do Bonfim, arruda e sal grosso.

"Lula precisa de proteção porque a crise é causada por coisa feita", explicou um sindicalista. Num improviso surpreendentemente sereno, o presidente lembrou que foi coisa feita, mas não por golpistas. A crise nasceu e cresceu graças a companheiros para os quais os fins justificam os meios. É bom que Luiz Marinho festeje a nomeação enquanto pode. Presidente da CUT, habituou-se ao barulho estimulante dos aplausos. Ministro de um governo que raramente atende a reivindicações das centrais sindicais, vai conhecer o som da fúria. Diante de platéias impacientes, terá de explicar o inaceitável.

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