O mais forte barbitúrico provocaria menos bocejos que os primeiros momentos da CPI dos Correios. A performance do bandido-herói Roberto Jefferson acelerou o ritmo, ampliou a audiência e sugeriu que o grupo de parlamentares investigadores havia encontrado o caminho e o compasso adequados. Engano. O elenco bisonho e o enredo espertamente preguiçoso reduziram a CPI a um patético novelão. Faz sentido: de onde menos se espera é que não vem nada mesmo.
Na quinta-feira, o maleiro Marcos Valério, um dos generais da bandalheira, rendeu-se ao procurador-geral da República: se lhe garantirem a redução da pena, dirá tudo o que sabe. No mesmo dia, a CPI ainda tentava marcar o segundo depoimento de Valério. Faltam datas. A agenda está tomada por diretores dos Correios e arapongas aprendizes. Logo chegará a vez dos carteiros. Enquanto isso, nos camarins dos astros descansam José Dirceu, Genoino, Delúbio, Luiz Gushiken, João Paulo Cunha e outras estrelas do pântano.
A primeira aparição de Valério foi especialmente irritante. Beneficiado por um habeas-corpus concedido pela indulgência do STF, falou pouco e mentiu muito. Os inquisidores aderiram ao show de exibicionismo e mediocridade. Salvaram-se o senador Jefferson Peres e a deputada Denise Frossard, que dominam a arte da pergunta curta e pertinente. Brilhou o senador Pedro Simon, excluído da CPI por excesso de honestidade.
Até agora, os detetives parlamentares não fizeram nenhuma descoberta relevante. (Primeiro, porque os governistas querem mais é ocultar a verdade. Depois, porque os artistas parecem mais atentos às câmeras de TV que à drenagem do lamaçal.) Os brasileiros é que descobriram interessantes singularidades do Legislativo. Agora sabem, por exemplo, que a semana do Congresso (e das CPIs) sempre tem três dias, seja qual for o tamanho da crise.
Também puderam conhecer melhor certos atores. Hoje sabem que a senadora Ideli Salvatti é um berreiro à procura de alguma idéia. Que a senadora Heloísa Helena informa de hora em hora que perdeu para o PT os melhores anos de sua vida. Que o deputado Jorge Bittar controla acessos de coragem quando Jefferson entra no saloon. Que Vossa Excelência é tratamento reservado a parlamentares: um depoente não passa de Vossa Senhoria.
E vão constatando, sobretudo, que a CPI dos Correios é uma bobagem redundante. As irregularidades ocorridas no mundo postal, expostas pela gravação que mostrou um chefe de departamento embolsando propinas, têm sido investigadas também pela Comissão de Ética e pela Corregedoria da Câmara. A história está desvendada, basta punir a quadrilha. Deputados e senadores estão perdendo tempo com bijuterias. Para alívio da nação, o Ministério Público, a Polícia Federal e a imprensa tratam de vasculhar o que interessa.
Desde que Jefferson acionou seu superventilador, o Brasil acompanha, estarrecido, a interminável procissão dos patifes estrelados: corruptos ou corruptores, ladrões, extorsionários, comerciantes de cargos públicos, lavadores de dinheiro, punguistas de verbas, sonegadores, homens da mala ou da cueca - todas as ramificações da bandidagem estão representadas. Se a sensatez prevalecer, o Congresso concentrará numa só comissão - a CPI da Corrupção - a apuração dos escândalos. Caso contrário, será dissolvido pelas urnas.
Impressionado com as dimensões da Operação Narciso, que mobilizou 280 combatentes na invasão da Daslu, o Cabôco pergunta: por que a Polícia Federal não desloca parte dessa tropa para ajudar a concluir o inquérito, aberto há um ano e meio, sobre as bandalheiras de Waldomiro ''Um por Cento'' Diniz?
Cuecas, malas, milagres e malandragens
O filósofo Luiz Gushiken está com a razão: tudo tem seu lado positivo. O militante petista Adalberto Vieira da Silva, preso pela Polícia Federal quando tentava embarcar em São Paulo com R$ 200 mil na mala e US$ 100 mil na cueca, entrou na lista dos suspeitos de corrupção. Essa é a notícia ruim. A boa informa que o maior verdureiro do mundo é brasileiro: a dinheirama, garante, resultou da venda do que colhera.
Agência de Notícias/Polícia Federal
Gerúndio premiado
Promovido a dirigente do partido, honraria que o afastou do Ministério da Saúde, o médico Humberto Costa parece fora de forma. Depois de um ligeiro exame da crise política, formulou o diagnóstico que lhe garantiu a taça:
''O PT está sangrando''.
O gerúndio é outro, doutor. Malas e mensalões não provocam hemorragias. Só dão cadeia.
Kiribati, o retorno
A coluna de domingo passado publicou trechos do caudaloso telegrama enviado ao Itamaraty pelo cônsul-geral em Sidney, Arnaldo Carrilho. O documento detalha sua passagem por Kiribati, conjunto de 33 atóis nos cafundós da Oceania. Missão a cumprir: obter o apoio daquele país ao ingresso do Brasil no Conselho de Segurança da ONU.
O talento narrativo do diplomata induziu numerosos leitores a pedir mais. A coluna escolheu o momento em que o Conquistador da Oceania marcha sobre a sede do governo, onde seria recebido pelo presidente Anote Tong. ''O palácio era modesto'', decola. E acelera:
''No trajeto sucediam-se ricas construções como o palácio episcopal (católico), a embaixada formosina e as sedes dos Altos Comissariados da Austrália e Nova Zelândia''. O casarão do bispo impressionou fortemente o diplomata brasileiro.
''Espampanantemente volumoso, destacou-se na paisagem de coqueirais com uma fileira de 12 janelões na fachada'', resume. Em seguida, viaja pela morada de Tong. ''Observamos que todos os funcionários, salvo o presidente e seu secretário que calçavam sandálias de couro e trajavam saiote tradicional, camisa de manga curta e gravata, locomoviam-se descalços pelos corredores labirínticos e salas de trabalho, onde se encontram outras pastas, cada uma ocupando dois ou três cômodos da casa''.
A missão em Kiribati não garantiu outro voto na ONU, mas revelou um estilista e tanto. Palmas para o Itamaraty.
A festa precede a vaia
Escolhido para o cargo de ministro do Trabalho, desocupado pela promoção do companheiro Ricardo Berzoini a dirigente do PT, Luiz Marinho retribuiu às vésperas da posse o presente de Lula. Ainda presidente da CUT, mobilizou quase mil militantes de centrais numa amistosa ocupação do Palácio do Planalto.
Lula ouviu sem sorrisos o elogio da insensatez. "Não ousem derrubar o operário do poder", avisou Wagner Gomes, figurão da CUT e do PCdoB, sem identificar os destinatários da ameaça. Antônio Neto, chefe da Central Geral dos Trabalhadores, acusou a imprensa de apoiar o golpe.
"A mídia burguesa não se conforma com a vitória de um operário", informou. Além da discurseira, os companheiros ofereceram ao presidente um "kit descarrego": figa de Oxum, carranca do São Francisco, fita do Senhor do Bonfim, arruda e sal grosso.
"Lula precisa de proteção porque a crise é causada por coisa feita", explicou um sindicalista. Num improviso surpreendentemente sereno, o presidente lembrou que foi coisa feita, mas não por golpistas. A crise nasceu e cresceu graças a companheiros para os quais os fins justificam os meios. É bom que Luiz Marinho festeje a nomeação enquanto pode. Presidente da CUT, habituou-se ao barulho estimulante dos aplausos. Ministro de um governo que raramente atende a reivindicações das centrais sindicais, vai conhecer o som da fúria. Diante de platéias impacientes, terá de explicar o inaceitável.
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