- Diogo, tudo bem?
- Essa pergunta de novo?
- Desculpe, é o hábito. Faz... quanto tempo mesmo? Desde dezembro do ano passado.
- É. Feliz ano velho, meu caro.
- A coisa tá feia...
- Feia? Bota feia nisso! Aposto que nem você imaginava algo tão feio assim.
- Claro que não. Sempre achei que os petistas tivessem idéias atrasadas e inclinações populistas e sempre desconfiei daquela máscara de honestidade. Bastava olhar... Porto Alegre, Santo André, certos amigos "empresários"... Waldomiro... E depois o aparelhamento das estatais, o rolo compressor de Zé Dirceu e seus operadores. Mas...
- Mas?
- Mas outra coisa é você ver tudo isso se materializar, e nessa proporção. É ver esses caras saindo da sombra, esses que chamo de "répteis sub-reptícios", Delúbio, Pereira, Valério... Figuras de bastidores que o Genoino e o Dirceu botaram para armar um esquema impressionante.
Diogo vira de um gole só mais uma caninha.
- Impressionante! Tem uma capilaridade e uma profundidade que parecem inéditas. Envolve várias estatais, mesadas a deputados, caixa 2 de campanhas... Centenas de milhões de reais... Eles literalmente tomaram de assalto a máquina pública. O Delúbio é o melhor símbolo disso. Deram o cofre pra ele em 2000 e desde então o PT se transformou.
- Antes fosse só isso... O Delúbio mesmo era um professor da rede pública de Goiânia que largou o cargo para virar sindicalista e deu um "jeitinho" pra continuar recebendo salário. Não é a cara do PT; é a cara do Brasil. E esses meios que historicamente sustentaram o partido, os meios dos sindicalistas e dos servidores, nunca foram muito salubres, foram?
- Tem razão...
Agora sou eu que tomo um gole.
- Para mim, a comprovação material da conexão PT-Valério, revelada pela Veja na semana passada, é a pá de cal no governo Lula.
- Para mim, também. Tenho amigos que ainda tentam se iludir, dizendo que a corrupção é um mal histórico, que afeta todos os partidos, etc. Mas é o PT que está no comando! E foi o PT que se valeu da imagem ética para chegar lá!
- Pois é. E o Genoino ainda tenta nos convencer de que governo e PT não são a mesma coisa... Ele só esqueceu de avisar ao presidente, que mandou podar a estrela do partido no jardim do Alvorada.
- Também tem um monte de gente da direita dizendo que o Lula não sabe nada.
- A direita ama o Lula, meu amigo. Mas você acha mesmo que os homens mais próximos dele faziam todas essas coisas e ele não era informado?
- Só sei que hoje vejo como ele é despreparado. Despreparado intelectual, administrativa e emocionalmente. Até hoje, quinta-feira, não ouvi o Lula falando "Eu não sabia de nada"! Tudo que fez foi dar três ministérios pro PMDB, você acredita?! De duas, uma: ou ele é o bobo da corte ou o Pilatos!
Diogo, para meu espanto, cai na gargalhada, mas logo a interrompe, lembrando sua tristeza. Chama o garçom e pede mais uma.
- Calma, Diogo.
Ele começa a soluçar e lacrimejar.
- Calma? O sonho acabou. Meu ideal morreu!
- "Bebi fel e gasolina."
- Como?
- Nada, nada, só lembrei um verso. E ainda há uma terceira hipótese: o Lula sabia de tudo e inclusive indicou parentes e amigos pro esquema.
- Eu sei... E ainda há quem diga que pelo menos o PT tinha a virtude do idealismo. Hahaha! - Diogo finge ironicamente a risada, enquanto enxuga os olhos furiosos. - Roubar em nome de um ideal deveria ser crime duplo!
- E você deveria ir pra casa agora. Deixa que eu pago a conta.
ZAPPING
Leio que Jô Soares fez o trocadilho "Depois de mim, o delúbio" na TV na semana passada. Lamento, mas há quatro semanas esta coluna e Paulo Caruso na IstoÉ já o cometeram.
RODAPÉ
O romance Dois Irmãos, de Milton Hatoum, foi escolhido por um júri convidado pelo Correio Braziliense de vinte jornalistas e críticos, entre eles eu, como o melhor escrito no Brasil nos últimos quinze anos. É bom ver que, cinco anos depois, já não estou tão sozinho... O mesmo vale para a poesia de Muitas Vozes, de Ferreira Gullar, que, apesar de mal avaliado quando publicado em 1999, hoje é reconhecido por muitos, e sobre muitos tem exercido influência.
O BEM DA BELEZA
É comum ouvir no meio da moda que "não existe mais uma tendência", que a diversidade é o que importa, etc. Mas um olhar amador detecta logo uma que, nos últimos anos, vem aumentando nas passarelas: jovens estilistas que fazem roupas para a mulher urbana contemporânea, ao mesmo tempo feminina e independente, romântica e segura. Raia de Goeye, Isabela Capeto, Cris Barros, Gisele Nasser e outras, todas com lojas muito legais, alegram o público masculino com tecidos, cortes e cores entre o moderno e o clássico, o artesanal e o industrial. E quando Alexandre Herchcovitch cria para a Cori, assim como Karl Lagerfeld para a Chanel, a elegância vai ao máximo, com toques de liberdade e ousadia que renovam a tradição.
DE LA MUSIQUE
Enquanto o Radiohead não lança disco, escuto outros de bandas pop que a crítica adora. Oasis, em Don't Believe the Truth, ainda continua sub-Beatles. Coldplay, em X&Y, tem boas melodias, mas soa um U2 sem protesto. Bloc Party, em Silent Alarm, à la Franz Ferdinand, não se decidiu entre coisas bonitinhas como This Modern Love e o pós-punk de Helicopter. Já a dupla americana White Stripes, em Get Behind the Satan, é melhor, por fugir à cozinha básica (guitarra, baixo, bateria e vocal) e recorrer a um humor teatral, capaz de ir do agressivo ao doce, do pesado ao blues, lembrando Led Zeppelin e Queen, e que em canções como The Denial Twist, White Moon e Take. Take. Take funciona. Não por acaso, a melancolia pós-11/9 dá o tom em todos.
TERROR & TEORIA
Escrevo na quinta: Londres foi atingida por quatro explosões terroristas. São dezenas de mortos, centenas de feridos. O extremismo islâmico não quer apenas ferir nossa sensibilidade, nos chocar pelas cenas de dor e morte em uma cidade que representa como poucas a liberdade política e religiosa e a cultura cosmopolita; quer jogar a culpa exclusiva dos problemas do mundo nos líderes dos países ricos, abrindo espaço simbólico para reações de xenofobia, e assim acentuar os conflitos das sociedades ocidentais - as quais odeiam obcecadamente.
POR QUE NÃO ME UFANO
É esquisito o apoio a essa tese do "déficit zero", que ninguém menos que Delfim Netto (do PP!) vem propondo. Por que agora? Porque as classes financeira e empresarial e certos setores da política querem a todo custo "blindar" - para usar o verbo da moda - a política econômica e o ministro Palocci, mantendo-os à margem da crise do governo Lula. Mas a idéia é limitada, tecnocrática, porque quer impor limites numéricos a realidades cambiantes. A questão central é o governo gastar menos e melhor e reformar o ambiente econômico para que a moeda seja mais forte, e aí sim afastar de vez esse dueto mórbido de juros altos e câmbio valorizado. A administração de Palocci não se pauta pela demagogia inflacionária que muitos temiam do PT, mas está longe de ser a melhor para o Brasil.
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