Entrevista:O Estado inteligente

terça-feira, julho 12, 2005

Os homens e os regimes Jarbas Passarinho

O Estado de S Paulo

 

Um amigo, historiador, perplexo pela enxurrada de lama que está manchando a República petista, que ele imaginava limpa, pergunta-me se isso não sugere o fim da democracia representativa. Sinto-me tentado a ser simplista e dizer que não é culpa do regime, mas dos homens. Do mesmo modo tenho ousado discrepar da máxima conhecida de Lord Acton de que "o poder corrompe e o poder absoluto corrompe absolutamente". Resisto a concordar, pois acho que o poder, mesmo o absoluto, corrompe quem é corruptível. É uma relação de causalidade.

Não acho que estejamos vendo o funeral da democracia representativa. Continuo defendendo a democracia, sem saudade do tempo em que, pretendendo defendê-la de uma mistura da esquerda "negativa" - como a chamava San Thiago Dantas - e oportunistas, em 1964, acabei por ajudar a restringi-la. Nem me socorro de Ortega Y Gasset, lembrando dele a boa desculpa: "Eu sou eu e a minha circunstância." Sim, o império das circunstâncias existe. Num mundo dividido em dois hemisférios, o democrático e o totalitário, em guerra fria, não havia como deixar de fazer a escolha, por um ou pelo outro. Repito, sem mérito, o pensamento de Churchill de que a democracia é um regime ruim, só que, até agora, não se achou outro melhor. Ela é um processo, dinâmico, e não um conceito estático. Uma forma de viver, mais do que uma forma de governo. Já tivemos a democracia governada, em que cada um de nós abdica de sua soberania e a delega a alguém que nos vai representar nas arenas políticas, de presidente a vereador. Hoje, estamos provando a democracia governante, em que o corpo de eleitores luta por dispensar intermediários e procura exercer o poder. Algo próximo do que poderíamos chamar de democracia direta, impossível que é restaurar os tempos da Grécia antiga, mas por meio das pressões populares junto aos congressistas no ato de fazer as leis, ou de submetê-las ora a um referendo, ora a um plebiscito, como é habitual na Suíça. Se a democracia representativa provoca decepções, felizmente a alternativa, que é o regime autoritário, não seria melhor. Reconheço o que o historiador chamou de lodaçal que nos aflige, na hora em que aparentemente o PT prova o desastre que foi aparelhar o Estado, ocupando milhares de funções do Estado e cevando com o mensalão - ressalvadas as honrosas exceções do estilo - os que lhe permitem governar o País, sem nítida característica socialista ou capitalista, e raivosamente apelidada de neoliberal. O que acaba vencendo é a natureza do homem, repito.

Veja-se o poder da corrupção, que não existe senão em mão dupla: a do corruptor e a do corrupto. A necropsia do Estado, hoje, mostra o amálgama de empresários e o PT. Tenho um amigo, homem de negócios, que tem horror de ser chamado de empresário. Explica: "Tanto se pode chamar empresário a mim (ele é honrado) como a todo tipo de pilantras." Exemplifica: o segurança do falecido prefeito de Santo André, que passou a gerir empresas várias e é indigitado assassino do então prefeito, é identificado na polícia como empresário. Também a piedosa mulher que se especializou em furtar bebês saídos de outros ventres, responde na Justiça como empresária. Empresários envolveram o PT e o governo, na mais descarada forma de corrupção. A estrelinha vermelha que foi a marca do exército de Trotski, na guerra civil de 1919, que o presidente Lula portava no encontro formal na Casa Branca, diante de Bush, hoje não se compara com a estrelinha da Texaco. Uns, menos ousados, se recomendam aos donos do poder aproximando-se de seus parentes, de forma normal, a exemplo do sinuoso Marcos Valério, que se disse "um cidadão normal". É o caso, revelado pela imprensa, com todos os detalhes, da Telemar, que descobre o talento do jovem Fábio Luiz Lula da Silva, sócio da firma produtora de videogames, na qual investiu, em janeiro deste ano, R$ 5 milhões, quantia quase igual ao total do capital social da firma contratada, que é de R$ 5,2 milhões. Fê-lo sem saber que dela fazia parte o jovem Fábio, segundo o honrado intermediário da contratação, amigo pessoal do presidente Lula. Teria tido esse cuidado exatamente para evitar maldosas insinuações. A mesma cautela não tiveram os que, sucedendo ao ministro Gushiken na empresa Globalprev, aumentaram seu faturamento em 600%, gozando da preferência de alguns poderosos fundos de pensão em que o ministro já tinha influência antes de ministro e continua a ter. Já a tentativa de limpeza ética não resiste quando o empresário é o publicitário Marcos Valério, que mente mais que o barão de Münchhausen ou o mais conhecido Pinóquio. Não explica como só no ano de 2004 faturou R$ 400 milhões em contratos com órgãos públicos e amealhou R$ 1,2 bilhão no período de 2000, ano em que suas empresas faturavam R$ 120 milhões, a 2004, saltando para R$ 585 milhões, um crescimento coincidente com o governo petista. Na CPI só mentiu e guardou seus segredos, garantido o silêncio pela Justiça.

Para desventura do PT, ainda é preso num aeroporto um petista do Ceará portando, em mala, R$ 200 mil de suas honestas vendas de hortaliças em São Paulo e, na cueca, milhares de dólares, porque, chocando-as no calor de "suas vergonhas", como escrevia o escriba Pero Vaz Caminha, da frota de Cabral, na carta a dom Manoel, podem dar filhotes, à maneira das galinhas e seus ovos...

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