Entrevista:O Estado inteligente

terça-feira, julho 12, 2005

DORA KRAMER O partido acima de tudo

O Estado de S Paulo
As aflições do PT merecem de Lula uma atenção que o País até agora não recebeu

O País ainda não mereceu do presidente da República um gesto ou palavra de alento à crise; não recebeu dele um argumento sequer para sustentar o benefício da presunção de inocência que a maioria - aí incluída a oposição - se empenha em lhe conferir; seus 52 milhões de eleitores dele não ganharam um só lenitivo à decepção que boa parte agora vive.

Em socorro da eficiência administrativa, o presidente Luiz Inácio da Silva havia anunciado um "choque de gestão" como etapa seguinte à reforma ministerial. Mas até agora, tudo o que a gestão governamental ganhou foram três novos ministros do PMDB.

Se os cidadãos e o governo têm sido deixados em segundo plano, o PT não pode se queixar de falta de atenção.

Ao se agravar a situação para o lado do partido, com a queda da cúpula por força de denúncias, o presidente da República agiu com rapidez.

Deslocou ministros de Estado para a direção partidária e, para assumir a presidência, liberou ninguém menos que o ministro da Educação, Tarso Genro.

Deixou clara aí qual a prioridade. Se o titular da pasta da Educação pode ser transferido para apagar um incêndio no partido, está posta a primazia.

É isso, aliás, o que se ouve no governo: com as investigações de corrupção fora do alcance, correndo na velocidade dos próprios pés, a preocupação central no Palácio do Planalto é com o PT.

Assusta a possibilidade de a esquerda vir a assumir o controle do partido na eleição do novo presidente, em setembro.

O ideal seria adiar a escolha, mas a esquerda, fortalecida pelas denúncias que atingiram a cúpula, não vai deixar passar essa oportunidade única de tentar conquistar o poder.

Portanto, a única opção é jogar tudo para manter o controle nas mãos do Campo Majoritário, tendência de Lula, da maioria dos governistas e daqueles que foram afastados por relações mal explicadas com o lobista Marcos Valério Fernandes de Souza.

Neste "tudo" se inclui um pacote de providências cheio de efeitos especiais, como o "diário do tesoureiro" e o "programa de relacionamento" do partido com os ministros do PT.

O "diário" é o nome pelo qual passa a ser chamada a agenda do substituto de Delúbio Soares, José Pimentel. Ali estarão registrados todos os encontros de petistas para tratar sobre dinheiro.

Quem faz a agenda? Os petistas que vão se encontrar para tratar de dinheiro. Qual a utilidade disso? Nenhuma.

Já o "programa de relacionamento" dos ministros com o PT , se alguma serventia tiver, será para os adversários do presidente Lula dizerem que já não têm mais influência sobre metade do ministério.

O programa lançado por Tarso Genro prevê que ministros do PT prestem contas ao partido de suas ações administrativas. Os seja, reportem-se a ele, não a Lula. Inclusive Antonio Palocci, da Fazenda, que é do PT.

Há também no rol das soluções para a crise a criação de um gabinete especial para coordenar as bancadas do PT no Congresso e uma severa auditoria nas contas do partido.

Todas essas são providências meramente simbólicas, anunciadas para dar a impressão de organização num ambiente onde reina o caos e a perplexidade.

Andam às tontas o governo e o partido e, neste diapasão confuso, se misturam como nunca antes. Prestam socorro mútuo, enquanto fazem o discurso de que precisam se distanciar um do outro.

Houvesse algum senso prático no plano petista para sair da crise, teríamos de acreditar que o ministro Palocci submeterá sua agenda de trabalho à direção do PT.

Por ora temos um pacote de emergência publicitária. Até aí não haveria nada demais se o presidente Lula não aceitasse, em nome da salvação de sua corrente partidária, ser por ela destituído da função de comandar os ministros do PT.

Transparência real

Querendo, o PT pode fazer um gesto concreto de apego à transparência. Basta revogar a decisão do Diretório Nacional que no ano passado rejeitou sugestão do deputado Chico Alencar de exposição das contas de campanha na internet.

Na época, Delúbio Soares ajudou a derrubar a proposta, sob o argumento de que os doadores ficariam constrangidos . É de autoria do então tesoureiro a frase marcante: "Transparência assim é burrice."

Até o rei

Parlamentares petistas passaram o dia ontem aludindo à apreensão das malas de dinheiro do pefelista deputado-bispo da Igreja Universal, como se o episódio representasse um alento às próprias agruras.

De tarde, numa solenidade de sindicalistas no Planalto, Lula falou em denúncias de "aliados" e "adversários", não citou nenhum petista cujos nomes e sobrenomes já estão na lista das investigações, mas foi detalhista ao se referir ao caso da prisão do filho de Pelé.

A pretexto de relatar como havia sido solidário com Pelé, acabou revolvendo um episódio já em fase de administração puramente policial e familiar. Na busca de companhia para suas aflições, Lula foi cruel com o pai Pelé.

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