Entrevista:O Estado inteligente

domingo, julho 17, 2005

Os Estados Unidos de Rove, o favorito de Bush Paul Krugman

Os Estados Unidos de Rove, o favorito de Bush

John Gibson, da TV americana Fox News, diz que Karl Rove deveria ganhar uma medalha. Concordo: Rove deveria ganhar uma medalha da Associação Americana de Ciências Políticas por suas descobertas pioneiras sobre a política americana moderna. A medalha pode, se necessário, ser entregue em sua cela.

O que Rove - o principal conselheiro político do presidente americano George W. Bush - entendeu, muito antes de todos nós, é que não vivemos nos Estados Unidos do passado, onde até mesmo os partidários às vezes mudavam de opinião diante dos fatos.

Em vez disso, vivemos num país onde não existe mais essa história de verdade apolítica. Em particular, hoje há poucos limites - se é que existe algum - aos que os políticos conservadores podem chegar e sair ilesos: os fiéis seguem as reviravoltas da linha partidária com uma lealdade que alegraria o Comintern.

Percebi que vivíamos nos Estados Unidos de Karl Rove durante a campanha eleitoral de 2000 para a presidência dos EUA, quando George W. Bush começou a dizer coisas sobre a previdência e os cortes de impostos que eram simplesmente falsas.

De início, pensei que os membros da campanha de Bush estivessem cometendo um grande erro - que aquelas falsidades gritantes seriam condenadas por políticos e economistas republicanos proeminentes, especialmente aqueles que haviam passado anos construindo reputações como defensores da responsabilidade fiscal. Na verdade, com raras exceções, eles fizeram fila para elogiar as propostas de Bush.

Mas a verdadeira demonstração de que Rove entende a política americana melhor do que qualquer estudioso veio depois de 11 de setembro de 2001.

Sempre que ouço um lamento pela era de unidade nacional pós-11 de Setembro, me pergunto do que as pessoas estão falando. Nas questões que eu acompanhava, a exploração da atrocidade por parte dos republicanos começou quando os escombros do World Trade Center ainda ardiam em Nova York.

Rove foi muito criticado por afirmar que a centro-esquerda respondeu ao ataque querendo oferecer terapia aos terroristas, mas o que ele disse sobre os conservadores - que eles "viram a selvageria do 11 de Setembro e se prepararam para a guerra" - é igualmente falso. O que muitos deles viram, na verdade, foi uma oportunidade de política doméstica - e nenhum viu mais que o assessor político de Bush.

Um estrategista político menos inspirado talvez tivesse hesitado antes de usar o 11 de Setembro, logo após o ataque que derrubou as Torres Gêmeas do World Trade Center, para dizer que os democratas são fracos em questões de segurança nacional. Além de tudo, não havia fatos para sustentar a acusação.

Mas Karl Rove entendeu que os fatos eram irrelevantes. De uma coisa ele sabia: que podia contar com os defensores do governo do presidente Bush para aceitar obedientemente uma nova versão. Leiam as colunas dos pensadores governistas antes e depois do Iraque: antes da guerra, eles castigaram a Agência Central de Inteligência (CIA) por minimizar a ameaça imposta pelas armas de destruição em massa de Saddam Hussein; depois da guerra, eles castigaram a CIA por exagerar a mesmíssima ameaça.

Rove também entende, melhor do que ninguém na política americana, o poder das táticas acusatórias. Ataques sobre alguém que contradiz a linha oficial não têm de ser verdadeiros, ou até plausíveis, para afetar a eficiência dessa pessoa. Tudo o que eles têm de fazer é conseguir muita mídia e assim vão criar a sensação de que deve haver algo errado com o cara.

E agora sabemos exatamente até onde ele estava disposto a chegar com essas táticas. Como parte do esforço para desacreditar o ex-embaixador americano Joseph Wilson, Rove vazou o fato de que a mulher de Wilson trabalhara para a CIA. Não sei se Rove pode ser condenado por ter cometido um crime, mas não resta dúvida de que ele arranhou a segurança nacional para tirar vantagem política. Se um democrata tivesse feito isso, os republicanos teriam dito que era traição.

Mas o que está havendo, em vez disso, é mais uma impressionante demonstração de que nos dias de hoje a verdade é política. Um por um, notórios republicanos e sábios conservadores declararam ser fiéis à linha do partido. Eles não apenas concordaram com as táticas diversionistas, como também com questões irrelevantes sobre se Rove usou o nome de Valerie Wilson para identificá-la (mais tarde, Robert Novak a identificou pelo seu nome de solteira, Valerie Plame), ou a alegação falsa e facilmente refutável de que Wilson mentiu sobre quem o mandou para a Nigéria. Agora, eles estão, em coro, celebrando Rove como um patriótico delator.

No fim das contas, não se trata apenas de Rove. Trata-se também do presidente Bush, que sempre soube que seu confiável conselheiro político - um discípulo do falecido Lee Atwater - é um valentão e obviamente não mexeu uma palha para descobrir se foi ele quem vazou o nome de Valerie Plame para a imprensa.

Mais do que tudo, é sobre o que aconteceu aos Estados Unidos. Como nosso sistema político chegou a esse ponto?

* Paul Krugman escreveu para 'The New York Times' Tradução de Alexandre Moschella e Alessandro Giannini

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