Entrevista:O Estado inteligente

domingo, julho 17, 2005

DORA KRAMER Se for à CPI, Dirceu 'arrasta o Brasil'

O Estado de S Paulo

Deputado acha que foi abandonado por Lula e quer ver Gushiken fora do governo


Enquanto faz discurso dizendo-se "inteiramente à disposição" das investigações em curso no Congresso, o deputado José Dirceu trabalha nos bastidores para restringir sua participação nas CPIs à comissão que investiga o pagamento de mesadas a deputados de diversos partidos da base aliada ao governo. Se for à CPI dos Correios, ele diz que pode "arrastar junto o Brasil".

Dirceu já manifestou seu desejo de não depor ao comando da CPI, e de alguma forma vem conseguindo impor essa vontade aos integrantes da comissão, que relutam em aceitar a votação do requerimento de sua convocação.

Sob o argumento de que, se revelar o que sabe, pode carregar muita gente na lama das denúncias de corrupção, o deputado articula para ser chamado apenas a falar na CPI do Mensalão.

Ali, acredita que não será confrontado com questões de envolvimento direto do Executivo e poderá limitar o debate às acusações envolvendo partidos e o Congresso.

Negaria simplesmente que a montagem da base parlamentar tenha envolvido compra de deputados, reafirmaria a adoção de critérios puramente políticos para a conquista de apoios e estaria livre, assim, de responder a questões envolvendo a participação de ministérios e estatais.

Agora, se não der certo, quem conviveu com José Dirceu e ouviu suas razões nos últimos dias não tem dúvida: o deputado tem potencial de mágoa suficiente para repetir roteiro assemelhado ao de Roberto Jefferson, levando mais gente consigo ao cadafalso.

Ao molde do petebista, José Dirceu já não aposta na própria sobrevivência.

Seu mandato, percebe, corre sério risco de interrupção. Não porque se reconheça como culpado, mas porque se considera injustiçado, vítima de uma traição em regra.

Tudo o que fez, tem ponderado em conversas durante as quais chama a atenção de seus interlocutores o silêncio do telefone - "ninguém liga para ele", diz um deles -, foi em nome de um projeto de governo. "Fiz o que precisava ser feito."

Não explicita exatamente quais teriam sido seus feitos, mas revela profunda contrariedade com o presidente Luiz Inácio da Silva e diversos companheiros de governo, em cujas condutas vê indiferença (na melhor das hipóteses) quanto à sua sorte.

José Dirceu exibe especial desgosto com a diferença de tratamento dado a ele em relação ao secretário de Comunicação e Gestão Estratégica, Luiz Gushiken. Não mereceu uma palavra pública de alento quando saiu da Casa Civil, enquanto Gushiken foi defendido por Lula em solenidade oficial.

O rebaixamento de posto, na visão de Dirceu, seria admissível como solução temporária. Se for definitiva, e o presidente não tirar o secretário de Comunicação do governo até o fim do ano, ele tem dito que cobrará pessoalmente de Lula o afastamento do desafeto.

Quem ouve os argumentos de Dirceu para tentar circunscrever sua participação à CPI do Mensalão ficando de fora da comissão dos Correios, surpreende-se com a convicção dele a respeito da possibilidade de as duas investigações correrem paralelas sem se interligarem em momento algum.

A realidade aponta na direção oposta: demonstrada a existência do chamado mensalão, imediatamente a comissão buscará estabelecer a conexão entre corruptos e corruptores.

E as informações disponíveis na CPI dos Correios já indicam a existência de um esquema de "lavagem" de dinheiro público por meio de contratos com empresas privadas.

No centro da operação, por enquanto, aparece Marcos Valério Fernandes de Souza. Mas na CPI é aguardado o aparecimento de outros personagens quase tão importantes quanto ele, numa ramificação de negócios originados em São Paulo com a participação de Delúbio Soares, Silvio Pereira e José Genoino - este pelo visto até agora um pecador referido sobretudo na omissão.

Como o grupo atuava sob o comando de José Dirceu, será, na avaliação de integrantes da CPI, impossível a preservação do ex-ministro da Casa Civil.

Quando as investigações se aprofundarem sobre os fundos de pensão, acredita-se, Luiz Gushiken será um personagem central e muito provavelmente José Dirceu nem precisará fazer a pretendida cobrança ao presidente Lula.

Talvez por isso, assim como Dirceu, Gushiken se põe à disposição, mas manifesta à comissão seu receio de ser chamado.

A expectativa mesmo é de que as apurações levem a um cruzamento das duas comissões parlamentares assim que a CPI dos Correios adiante os trabalhos de checagem de documentos, nesta semana, deixando a CPI do Mensalão em franca desvantagem de resultados já no início de seus trabalhos.

Destino cruel

O cruzamento de informações feito pelo líder do PFL na Câmara, Rodrigo Maia, entre os saques efetuados no Banco Rural de Brasília e as visitas de assessores de deputados petistas à referida agência, repete procedimento do PT na oposição.

Dirceu e Aloizio Mercadante eram especialistas em criar fatos políticos a partir de pistas com potencial de disseminar suspeições à deriva. A ironia do destino é que a ação do pefelista atingiu pelo menos dois deputados, Paulo Delgado e Sigmaringa Seixas, críticos das pirotécnicas investigatórias do PT.

 

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