Entrevista:O Estado inteligente

quinta-feira, julho 21, 2005

O PT e a nostalgia do stalinismo Gilberto de Mello Kujawski

O Estado de S Paulo

 

Passaram meio despercebidas as palavras de José Genoino, em recente entrevista no Roda Viva, manifestando a preponderância absoluta, dentro do PT, da decisão coletiva do partido sobre as opções individuais, como se estas não passassem de meros caprichos aleatórios e desprezíveis.

Claro que não existe partido político que se preze sem disciplina e uniformidade de decisão, baseada na vontade da maioria. Só que no PT a vontade da maioria se impõe da forma mais truculenta, desrespeitando e desqualificando a minoria como indigna de filiação ao partido e sujeita à expulsão, como de fato ocorreu com o grupo de que fazia parte a senadora Heloisa Helena. A maioria do partido expulsa a minoria com a mesma sem-cerimônia com que o organismo expele os dejetos inservíveis dos alimentos não aproveitados no metabolismo da digestão.

Semelhante intolerância do Partido dos Trabalhadores se filia nada mais, nada menos que ao famoso centralismo democrático inaugurado na URSS por Lenin e agravado por Stalin, forma curiosa de democracia na qual o consenso é obtido, dogmaticamente, pela supressão acintosa das minorias, sem direito a voz, em nome da unidade ideológica, política e orgânica do partido. Ficou célebre o protesto de Rosa Luxemburgo, teórica marxista e revolucionária, afirmando ser falsa a liberdade apenas para os membros de um só partido, que sustentam o governo: "Liberdade é sempre e apenas a liberdade para quem tem opiniões diversas."

O PT enganou muita gente. Em meio à inconsistência partidária vigente no Brasil, aparecia como um modelo de partido: vertebrado ideologicamente, consistente e coerente na prática, dotado de organização interna, aguerrido na militância e, o que seria o mais importante, comprometido indissoluvelmente com a ética e avesso a qualquer tipo de fisiologismo. Até correntes liberais se impressionavam com a suposta exemplaridade do PT e o apontavam como o padrão ideal para todos os demais partidos, dilacerados pelo vazio ideológico, pela inconsistência estrutural e por práticas rasteiras de oportunismo e venalidade.

Mal sabiam os admiradores daquela agremiação o que se ocultava por trás daquela fachada politicamente tão correta. Era bom, era animador contar com um partido político assim, tão bem constituído nas linhas da mais perfeita correção normativa, a ponto de ser aplaudido até pelos que discordavam de sua ideologia.

Não ocorria a ninguém indagar de onde provinha, historicamente, aquela conduta tão rigidamente disciplinada, aquela postura impecável e tão convincente em sua performance, aquela capacidade de mobilização inteiriça, em ordem unida, e em escala nacional. Tamanha coesão era estranha ao desleixado tropicalismo brasileiro, mas ainda assim ninguém desconfiava.

Mesmo quando o PT impôs o lema jacobino partido versus antipartido. O endeusamento do partido, a legenda da "pureza", da intangibilidade, do monopólio da ética. Ora, essa antinomia entre partido e antipartido remonta a Lenin e a Stalin, que passaram a impor a expulsão das fileiras do partido oficial de quem ameaçasse de qualquer forma, por palavras, atos ou atitudes, a unidade monolítica da agremiação política dominante.

Era isso que estava por trás da admirável disciplina e pureza ideológica do Partido dos Trabalhadores, que iludiu tantas pessoas com a sugestão de que o PT seria uma organização democrática, quando, na verdade, nunca passou de um grupo intolerante, autista e profundamente autoritário, não admitindo a mínima divergência de suas posições dogmáticas impostas a ferro e fogo aos militantes e aderentes. "Quem não estiver conosco é contra nós."

Nos demais partidos, de índole democrática, o consenso é obtido pelo acordo entre a maioria e a minoria. Só no PT o consenso é conseguido pela intimidação e pela expulsão da minoria discordante, na mesma linha do leninismo e do stalinismo. A tendência compulsiva é a fetichização do partido, erigido em entidade superior e intangível à qual todos devem prestar culto e honrar com sacrifícios. O partido é sagrado.

Tarso Genro agora bate no peito e faz o mea-culpa dos petistas. Em artigo na Folha de S.Paulo, intitulado O PT, ele mesmo, como crise (8/7), reconhece o moço loiro de Porto Alegre: "Esposamos principalmente a tese do partido proprietário de uma moralidade superior à dos demais. Substituímos a política e os mecanismos transparentes do controle interno por um novo 'absoluto' totalmente artificial: 'Somos melhores porque somos mais puros'."

Por fim, reconhece o atual presidente do PT que a população enxerga, agora, o Partido dos Trabalhadores como um partido igual aos outros. Caiu a ficha, caro presidente? Então, que idéia é essa de monitoramento dos ministros pelo PT? Sem dúvida, um resíduo do antigo culto totêmico do partido. Pois os ministros devem ser controlados pelo presidente da República, e não por qualquer partido.

A tenaz persistência desse vínculo histórico de controle férreo do partido, na tradição stalinista, demonstra que os dirigentes da cúpula petista podem ter abandonado a prática revolucionária, mas, pelo menos até ontem, não se desapegaram da "mística" da revolução, com seu messianismo de partido eleito, sua retórica salvacionista e seu sentimentalismo nacionalista e retrógrado, como é prova a intensa simpatia que une Lula e José Dirceu a Fidel Castro e Hugo Chávez, e as renovadas permanências de Zé Dirceu em Cuba.

José Genoino e José Dirceu têm, ambos, o perfil típico stalinista: totalmente impermeáveis à pluralidade de opiniões alheias, provados na fidelidade absoluta às decisões dogmáticas da cúpula dirigente, revestidos de impavidez superior que reforça sua disposição para a frieza tática e o cálculo oportunístico, são duros na queda e incapazes de contrição e reconhecimento dos próprios erros.

Nenhum comentário:

Arquivo do blog