Bastou um exame superficial de 20% dos documentos referentes a apenas uma dessas contas cujo sigilo a CPI havia quebrado para que se identificassem 38 pessoas que, autorizadas por Valério, sacaram de duas agências do Banco Rural, em Brasília e Belo Horizonte, mais de R$ 25 milhões. Era a ponta de um iceberg capaz de afundar qualquer Titanic.
Nomes e valores confirmavam amplamente a denúncia do deputado Roberto Jefferson de que o PT, por intermédio do seu então tesoureiro Delúbio Soares, em parceria com Marcos Valério, subornava políticos da base aliada, para que dela fizessem parte e votassem fielmente com o governo, pagando-lhes polpudas somas, sob a forma de mensalão, semestralão, anualão, ou sem periodicidade regular.
Das contas devassadas também saíam recursos para políticos petistas, supostamente como parte do monumental caixa 2 criado para quitação de dívidas de campanha, na versão construída pela dupla e endossada pelo presidente Lula na esquisita entrevista dada em Paris. É provável que, em alguns casos, o maná tivesse outras finalidades não menos ilícitas, nem menos aviltantes, do que a compra de deputados ou o repasse de "recursos eleitorais não contabilizados", como dizia ontem Delúbio à CPI.
Por exemplo, que razão teria o generoso Valério para transferir R$ 50 mil ao então presidente da Câmara, João Paulo Cunha, na pessoa de sua mulher, um dia depois de se encontrarem e três meses antes da contratação de uma de suas agências para cuidar da publicidade da Casa, por R$ 9 milhões? Mas isso é mixaria perto dos R$ 200 mil sacados pelo tesoureiro do PL apropriadamente chamado Jacinto Lamas; R$ 300 mil que foram para o deputado Carlos ("Bispo") Rodrigues, do PL; R$ 320 mil retirados por uma assessora do futuro líder do PT na Câmara, Paulo Rocha; dos quase R$ 1 milhão destinados ao líder do PP, deputado José Janene – e, principalmente, dos cerca de R$ 10 milhões levantados por Simone Vasconcelos, a funcionária de Valério citada pela ex-secretária Karina Somaggio Fernandes como tendo se queixado de passar horas contando e entregando dinheiro em um quarto de hotel em Brasília.
Estabelecida explicitamente a existência do mensalão, com os crimes comuns correlatos, como corrupção passiva e formação de quadrilha, para os quais as penas previstas são muitíssimo mais rigorosas do que as que tratam de crimes eleitorais, o escândalo inevitavelmente se espraiará da mesma forma que um vazamento de óleo na superfície do oceano; só que os seus efeitos não serão superficiais. A lista parcial de sacadores que Valério entregou na semana passada à Procuradoria-Geral da República incluía um certo José Luiz Alves, secretário do governo do município de Uberaba.
Na terça-feira, o prefeito admitiu que José Luiz retirou para ele entre R$ 120 mil e R$ 150 mil, "para saldar dívidas de campanha". O prefeito, Anderson Adauto, foi ministro de Transportes no início do governo Lula. Imagine-se como se queira até onde chegarão as revelações, à medida que a CPI debulhar toda a papelada a que finalmente tiver acesso.
Desde já, no entanto, se a Executiva do PT não teve coragem nem para suspender do partido por 60 dias o licenciado tesoureiro Delúbio, como queria o novo presidente Tarso Genro, que tenham a hombridade de renunciar aos seus mandatos – não para evitar a cassação e a suspensão dos seus direitos políticos, mas por uma réstia de respeito pela opinião pública – os parlamentares beneficiados com os "recursos eleitorais não contabilizados". Pela sua condição de ex-presidente da Câmara, o petista João Paulo devia ser o primeiro a dar o exemplo. Resta rogar aos céus, enquanto isso, que o presidente Lula, claramente grogue diante do aprofundamento da crise, reúna forças para tentar governar. O episódio do demite-não-demite o ministro das Cidades, Olívio Dutra, anteontem, exibiu um presidente entontecido pelos acontecimentos. É de assombrar.
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