Folha de S Paulo
A operação espetacular de 240 agentes da Polícia Federal e 80 auditores da Receita Federal em cumprimento a 36 mandados de busca e apreensão na Daslu competiu em audiência com as repercussões do atentado terrorista em Londres, a maratona de sessões de CPIs no Congresso, a celebração da Queda da Bastilha na França e até a final da Taça Libertadores. Independentemente do mérito do processo em questão, uma ação policial com tanto estardalhaço gera efeitos nefastos sobre a economia e instituições do país.
Pode-se especular sobre as motivações que levaram à pirotecnia da ação policial. Uma das explicações para tamanha publicidade e ostentação (comparável somente à imagem do próprio estabelecimento invadido) residiria naquilo que pode ser chamado de "efeito Daslu". Seria preciso demonstrar de forma inequívoca que determinadas práticas ilegais serão punidas severamente independentemente de status ou classe social do suposto infrator.
A lógica do efeito Daslu é simples e está por trás da declaração jocosa do secretário da Receita Federal de que "a arrecadação neste ano vai aumentar muito". Sabe-se que é difícil debelar a sonegação. Mas sua prática pode ser inibida se a percepção de impunidade também for diminuída. Em linguagem técnica, é necessário tornar negativo o valor esperado da infração; em outras palavras, é preciso transmitir de maneira clara que o crime não compensa.
Para crimes de colarinho branco, não bastaria uma multa qualquer. É necessário torná-la proibitiva para inibir a infração. Até aí tudo bem, mas o efeito Daslu vai mais longe. A multa pecuniária e a ameaça de prisão seriam insuficientes. O dano à imagem e a humilhação pública seriam utilizados como reforço ao castigo. Serviriam como exemplo, exercendo suposto efeito preventivo. É uma estranha combinação entre noções medievais de castigo e a moderna teoria de incentivos econômicos.
O efeito Daslu encerra riscos enormes e tem efeito negativo sobre o cumprimento da legislação e em particular sobre a sonegação. Isso se deve a duas razões. Em primeiro lugar, porque ocorre um abuso do efeito demonstração. As peculiaridades do caso concreto são esquecidas em nome da "lição" a ser divulgada para a sociedade. Tal abuso do efeito demonstração causa vários problemas. Cometem-se injustiças e perde-se o foco da investigação, comprometendo a legitimidade da ação repressora.
Em segundo lugar, aumenta assustadoramente a probabilidade de abuso por parte das autoridades que comandam uma ação desse tipo. Em países desenvolvidos, onde as burocracias estatais são mais bem remuneradas e bem treinadas, o abuso de poder já é freqüente. Em países em desenvolvimento, onde os órgãos repressores dispõem de muito menos recursos humanos e materiais, os efeitos podem ser dramáticos e foiçarem absolutamente fora de controle.
A possibilidade de danos irreversíveis à imagem torna-se mais presente. Aqueles que controlam uma máquina de espetáculos policiais detêm algo valioso que pode a qualquer momento ser acionado, mas não necessariamente em defesa do cumprimento da legislação. Isso constitui um incentivo perigoso à chantagem e à corrupção. Em vez de diminuir a freqüência de infrações, um ambiente dessa natureza aumenta poderes paralelos, estimulando a informalidade e o crime.
O saldo do efeito Daslu é aumentar a insegurança jurídica. Isso é pernicioso do ponto de vista social mesmo quando as ações espetaculares são realizadas contra segmentos abastados. De um lado, porque a insegurança jurídica inibe o investimento e, conseqüentemente, a produção e o emprego. Transparência e estabilidade de regras no Brasil são fatores de entrave ao desenvolvimento no Brasil. De outro lado, porque os setores privilegiados mais cedo ou mais tarde encontram recursos para se proteger contra as arbitrariedades. Enquanto isso, as camadas carentes ficam entregues à lei do mais forte.
Entrevista:O Estado inteligente
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