Moral da história: tudo não passou de um gigantesco equívoco. Ninguém corrompeu, ninguém foi corrompido, não há mandatos a cassar nem responsáveis a serem punidos. O PT, por intermédio de sua nova direção, pede desculpas à opinião pública por esse pequeno deslize, promete que nunca mais se vai valer de contabilidade paralela e jura que vai voltar a ser, como sempre foi, o campeão da ética na política. Se alguma culpa existe, é da legislação eleitoral - que deve ser imediatamente corrigida - e da imprudência do tesoureiro, que assumiu compromissos além da capacidade financeira do partido. Nem sei por que me estou dando ao trabalho de redigir este artigo. A crise acabou... Foi tudo uma maldosa intriga da imprensa e da oposição.
Você, leitor, acredita nessa versão? Eu também tenho minhas dúvidas. Mas acontece que o próprio Lula a endossou, de forma cabal, pela TV. Um presidente da República se arriscaria a mentir publicamente? Vai que amanhã surjam provas de que esta história é falsa. Como fica, então, o presidente? O mínimo que se pode dizer é que o seu gesto foi para lá de temerário e imprudente...
As pesquisas de opinião vinham apontando que o prestígio pessoal de Lula não havia sido abalado pela crise. As pessoas tendiam a ver os recentes episódios como afetos exclusivamente ao Congresso e ao PT. Ao avalizar, de público, esta explicação, ele deixou a cômoda posição de magistrado ("vamos apurar tudo, doa a quem doer") e se colocou, de peito aberto, na linha de tiro. Configurou-se uma situação de "xeque ao rei", como se diz em xadrez.
Lula tornou-se refém de um péssimo enredo. Não, não dá para arrebatar o Oscar de melhor roteiro adaptado. A trama está mal costurada, a história não fecha, os personagens não interagem de forma verossímil. Trata-se de uma versão típica de advogados criminalistas, muito eficiente para uso em tribunais - onde se absolvem réus por falta de provas cabais -, mas extremamente fraca em julgamentos políticos, em que meras evidências são o suficiente para a condenação dos réus.
E as evidências, no caso, são gritantes.
Por que razão um empresário esperto assumiria dezenas de milhões de reais em dívidas bancárias tendo como garantia apenas o compromisso verbal de um tesoureiro partidário? Como o PT ressarciria o empresário? Vendendo buttons e camisetas é que não é. Fontes de renda suficientes o partido não possui. Qualquer outra forma de pagamento implicaria o uso da máquina pública e se constituiria em crime.
Se o dinheiro serviria para cobrir despesas de campanha eleitoral, como explicar que o grosso dos saques se tenha dado em épocas distantes das eleições? Se o tal do mensalão para os deputados não existe, por que razão membros do PP e do PL sacaram grandes quantias justamente nos períodos em que ocorreram votações importantes no Congresso? Se o PT não tinha dinheiro sequer para cobrir o seu dia-a-dia, por que é que se propôs a financiar campanhas de outros partidos?
Há inúmeras contradições e muitas novas surgirão no decorrer das apurações. Foi com essa história capenga e cheia de furos que o presidente da República empenhou a sua palavra...
A sorte de Lula é que ninguém deseja o seu impeachment. Os principais partidos de oposição entendem que essa solução é, no mínimo, desastrosa. Se o voluntarioso vice-presidente assumir o cargo, em duas semanas ele implode a política econômica. O sucessor seguinte é ninguém menos que Severino Cavalcanti, que dispensa maiores comentários. O problema é que, à medida que novos fatos vêm a público, está ficando cada vez mais difícil garantir a permanência do atual titular.
O mais surpreendente nessa crise é que as oposições em nada contribuíram para o seu agravamento. O PT e agora o próprio presidente se enredaram sozinhos, vítimas de seu patente despreparo para administrar a coisa pública.
De tudo o que falou, desde a sua posse, as mais sábias palavras de Lula foram as proferidas em Paris: "O Brasil não merece isso..." Como autocrítica, está perfeito.
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