O Globo
O segundo rebaixamento em poucos dias a que foi submetido ontem o ex-ministro Luiz Gushiken, antigo integrante do "núcleo duro" do governo, é mais uma faceta do longo e penoso processo de desestruturação do governo Lula, que agoniza em praça pública a um ano e meio do seu fim. Mais se parece com uma punição recorrente, embora Gushiken jure que está indo para o Núcleo de Assuntos Estratégicos (NAE) por decisão própria. Na verdade, o acerto feito ontem tenta consertar sua situação funcional, embora tenha provocado novos constrangimentos.
Envolvido em denúncias de manipulação de verbas publicitárias na Secretaria de Comunicação (Secom), e de interferência política nos fundos de pensão, além de favorecimento a uma empresa de consultoria a que esteve ligado antes de ir para o governo, Gushiken, indignado, decidira sair do governo pressionado pela família, mas atendeu a um apelo público do presidente Lula para permanecer.
A partir daí, uma série de trapalhadas o colocou em situação no mínimo embaraçosa, perdendo o status de ministro e ficando subordinado à nova chefe da Casa Civil, Dilma Roussef. Na verdade, quando tratou com o presidente Lula pela primeira vez de sua situação, Gushiken sugeriu que a Secom, que estava com fama de superpoderosa, perdesse o status de ministério e não ficasse vinculada diretamente ao presidente da República, para deixar de ser alvo do que considerava manobras políticas.
Na visão de Gushiken, analisada para o presidente Lula, três razões levaram a Secom a se transformar em alvo da cobiça política de adversários do governo: a inclusão na Secom do Núcleo de Assuntos Estratégicos, que estuda programas fundamentais para o governo como o biodiesel; a centralização de negociação de mídia, não permitindo que estatais fizessem negociações comerciais autônomas, uma verba em 2004 de quase R$ 900 milhões; e por último, a publicidade institucional, que passou a ser feita centralizadamente a partir da Presidência da República.
Ao dizer que a Secom não precisaria ter status de ministério, o que Gushiken estava fazendo, no entanto, era dar ao presidente a chance de colocar em prática uma idéia que já fora discutida no núcleo central do governo: tirar o status de ministério de todas as secretarias, dentro da reforma ministerial, como um sinal de que a máquina do Estado seria enxugada.
Seja porque os integrantes das demais secretarias que permaneceram no governo reagiram, seja porque o presidente Lula não tencionava mesmo fazer as mudanças, apenas Gushiken perdeu o status de ministro. Por sinal, assim que a decisão de rebaixar a Secom foi publicada no Diário Oficial, o ex-ministro Gushiken recebeu um telefonema do ministro da Justiça, Marcio Thomaz Bastos, alertando-o de que a partir daquele momento ele não tinha mais foro privilegiado, a blindagem do cargo que leva ao Supremo Tribunal Federal os processos contra os ministros.
Na prática, os caminhos tortuosos do PT no governo levaram o presidente Lula a dar status de ministro ao presidente do Banco Central, Henrique Meirelles, para protegê-lo de eventuais perseguições políticas, e a deixar ao relento seu amigo de longa data, exatamente no momento em que ele é objeto de diversas acusações na CPI dos Correios e começará a ser alvejado por denúncias com relação aos fundos de pensão.
Gushiken ficará ligado ao presidente da República no Núcleo de Ações Estratégicos (NAE), um setor do qual ele realmente gosta. Mas a Secom irá para a Secretaria-Geral da Presidência, sob a orientação do ministro Luiz Dulci, um dos que não perderam o status de ministro, continuando assim a comunicação oficial do governo ligada diretamente à Presidência da República.
Do ponto de vista pessoal, Luiz Gushiken considera que o que estão fazendo com ele é denegrir sua reputação sem base nos fatos. E chega a dar um exemplo surpreendente: diz que agora compreende a injustiça que foi feita com Eduardo Jorge, o ex-chefe de gabinete do presidente Fernando Henrique Cardoso, acusado incessantemente pelo PT e pelo Ministério Público de manipular as verbas dos fundos de pensão, a mesma acusação que hoje pesa sobre Gushiken. Nada foi provado contra Eduardo Jorge, e Gushiken admite que o PT errou ao basear sua luta política no ataque à reputação alheia.
A acusação de que a empresa de consultoria de previdência privada Globalprev, da qual era sócio antes de ir para o governo, foi beneficiada por sua influência e teve crescimento econômico indevido nos últimos anos, foi esclarecida por uma nota da Prefeitura de Indaiatuba, retificando dados que distorciam o crescimento da empresa, e pedindo desculpas. Os contratos de publicidade com estatais, que inicialmente chegaram a ser apontados como superfaturados, responsáveis pelo dinheiro que Marcos Valério distribuía entre os políticos, não são suficientes para justificar toda essa dinheirama que está aparecendo.
Gushiken, que já se dispôs a depor na CPI mista dos Correios, sabe que será a bola da vez quando os fundos de pensão começarem a ser investigados. Diz que sua fama de ser o "dono" do setor, por ser um especialista no assunto, não corresponde à realidade. Adacyr Nunes, diretor da Secretaria de Previdência Complementar, que já foi apontado como ex-sócio de Gushiken na empresa de consultoria, foi na verdade seu assessor jurídico na Câmara dos Deputados. Sua escolha foi feita pelo então ministro da Previdência Ricardo Berzoini — hoje secretário-geral do PT — segundo Gushiken pela importância que Adacyr Nunes tem no mercado de previdência privada do país. Gushiken nega também que tenha interferido nas escolhas dos presidentes da Petros e da Previ, atribuídas a ele.
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