Quando as primeiras denúncias surgiram, elas "colavam" dificilmente ao PT, pois havia uma certa aura que fornecia uma blindagem eficaz. Celso Daniel foi assassinado, a situação foi e é particularmente escabrosa, pela extorsão de empresários, por protestos da família, pela tortura do prefeito e por assassinatos em série. Tudo, naquele então, foi feito para "descolar" o partido e seus membros do acontecido. Segundo o sabor das circunstâncias, os dirigentes partidários ora diziam que o episódio era criminal, ora político, e quando político não diria, evidentemente, respeito ao PT. A tentativa terminou por malograr. Os protestos foram múltiplos, porém, fato grave, o partido da moralidade já mostrava o seu pouco compromisso com a ética. No episódio Waldomiro Diniz, quando foram comprovadas suas estreitas relações com um bicheiro, segundo uma fita que comprovava a arrecadação de fundos partidários, a reação foi a mesma, a de abafar o caso, com a obstaculização, inclusive, de uma CPI, agora finalmente autorizada pelo STF. Aqui a cola começava a não aderir. No entanto, o então ministro José Dirceu, já tendo o seu nome insistentemente citado pela mídia, foi objeto de uma festa de desagravo. Era um crime de lesa-majestade implicar o PT com a corrupção. Agora já não houve festa, nem desagravo. Os convivas, perplexos, partiram.
A questão, no entanto, é que a esperança também partiu. E não partiu por uma manobra qualquer da oposição, que, por assim dizer, foi pega de surpresa. Ela se tornou espectadora de um espetáculo que a favorece. É como se, nada fazendo, ela já se tornasse a destinatária natural de uma outra alternativa política. As teses estapafúrdias de um "golpe" em curso, de uma ação concertada das "elites conservadoras" ou de uma orquestração da "direita" não resistem a uma mínima análise objetiva. Os problemas surgiram entre os partidos aliados, e não tiveram o PSDB ou o PFL como causa. A política macroeconômica, por exemplo, tem beneficiado as "elites" que o PT diz combater. Só se essas elites fossem masoquistas tramariam a queda de um governo que as beneficia diretamente. Elites conservadoras como as representadas pelos senadores José Sarney e Renan Calheiros são os mais firmes suportes do governo. Se há golpe, é o de o PT ter renegado suas bandeiras históricas e, dentre elas, a mais preciosa, a da "ética na política".
O partido e o governo acusaram, desta vez, recepção. Todas as manifestações e denúncias do deputado Roberto Jefferson estão sendo confirmadas. Confirmadas também pela renúncia de José Dirceu, de Silvinho Pereira e de Delúbio Soares. Eles passaram recibo e com uma velocidade espantosa. O primeiro chegou a obedecer aos prazos estabelecidos pelo deputado denunciante, que de réu se tornou acusador. A moralidade soçobrou e a perplexidade tomou conta do País. A ética não pode mais ser desfraldada pelo governo e pelo PT. Nem pode o primeiro aduzir que tudo fazia pelo esclarecimento dos fatos, senão via discursos vazios que não se traduziram por ações práticas. Estas, aliás, seguiam e seguem uma direção oposta à apregoada. O presidente perde rapidamente credibilidade. A esperança dele desencarnou.
A imprensa e a mídia foram as grandes protagonistas dessa história. Graças a uma imprensa livre, na qual vigem a competição e uma economia de mercado, os fatos puderam aparecer e ser desvendados. Se a opção autoritária do Conselho Federal de Jornalismo e da Ancinav tivesse vencido, a situação seria hoje provavelmente outra, com tudo sendo abafado. Entende-se agora melhor o porquê dessas iniciativas que afrontaram tão diretamente a liberdade. A Polícia Federal, o Ministério Público e as comissões do Congresso vieram a reboque de uma investigação conduzida por revistas e jornais, que estão balizando o processo. Neste sentido se pode dizer que a sociedade brasileira está à frente de seu Estado e de seus partidos, sendo o motor da liberdade. Quem não se lembra das declarações, poucos dias atrás, de dirigentes partidários que asseguravam que não havia nada a investigar, que tudo estava devidamente elucidado? Será que a nova elite política, a que está atualmente no poder, pegou os cacoetes da antiga? Estranho mimetismo, estranha maneira de se conceber a "mudança".
Quando das eleições de 2002, a publicidade do partido vencedor foi extremamente bem-feita. Guardamos todos na memória aquelas belas imagens que sugeriam moralidade e competência, como se a esperança fosse concreta e prestes a se realizar. Algumas imagens chegavam a sugerir, em mulheres correndo pelos campos, que o reino dos céus estava próximo. A aposta foi muito elevada e a queda, tanto mais abrupta. Poder-se-ia dizer que a irresponsabilidade foi total. Limites morais foram claramente transpostos, pois ao inexeqüível foi, agora, acrescentada a desfaçatez. Nada mais se sustenta, tudo periclita, e os discursos presidenciais mais parecem palavras ao léu conduzidas pelo medo que reaparece. O problema, hoje, é se o povo brasileiro fará um saudável exercício de ceticismo, de descrença em relação a promessas vazias e a condutas de fachada, ou se procurará um novo destinatário, um salvador da Pátria, aquele que poderá encarnar a crença perdida. Onde depositar a esperança?
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