o globo
A entrevista do presidente Lula em Paris é desrespeitosa à imprensa brasileira, pela forma como foi feita, e insultuosa ao país, pelo conteúdo do que disse. Em todo o seu mandato, Lula tem tratado os jornalistas com desprezo. Aceita apenas os longos monólogos, nunca o rigor de uma entrevista séria, com livre direito do contraditório. Mas pior o conteúdo que a forma. Ele foi a Paris, vejam só o local, dizer que o Brasil não é um país sério.
Na entrevista que ele concedeu na França, não era possível disfarçar o amadorismo da repórter que, numa pergunta, dirigiu-se ao presidente com o impróprio pronome "você" para, na pergunta seguinte, exagerar com o "vossa excelência". Jornalistas não usam nenhum dos dois tratamentos, apenas o cerimonioso "senhor", que distancia e não bajula. Mesmo diante de perguntas lamentáveis a facilitar seu trabalho, o presidente Lula disse impropriedades.
Atribui-se a Charles de Gaulle a infeliz frase de que "O Brasil não é um país sério". Talvez o líder francês tenha dito, talvez não, mas o país se ofendeu da mesma forma. E tem tentado seriamente, nas últimas duas décadas, livrar-se desse estigma.
Pois bem, Lula saiu daqui, voou no seu avião de 56 milhões de dólares, para, de lá, mandar dizer que o que o PT fez foi exatamente o que todo mundo faz no Brasil. Qual a diferença entre essa frase e a dita por PC Farias numa outra CPI? Naquela época, querendo dizer que todos os políticos tinham os mesmos padrões morais que ele, PC disse: "Estamos todos sendo hipócritas aqui." Aquela frase não ofendeu ninguém. PC Farias era um pária na política brasileira, chegara não se sabe de onde, a bordo do fenômeno da falsa promessa de caçar marajás. Completamente diferente é ver o mesmo conformismo com o desvio sendo demonstrado por um presidente da República: "O que o PT fez do ponto de vista eleitoral é o que é feito no Brasil sistematicamente", disse Lula na entrevista.
O que é sistematicamente feito no Brasil? Pegar empréstimos com o aval do fornecedor do governo, que pega outro empréstimo e dá como garantia o contrato com o governo e diz que é para o partido do governo? Essa promiscuidade é normal? Montar numa sala dentro do Palácio uma central de distribuição de cargos sob o comando de pessoas sem cargos na máquina pública? O que é feito sistematicamente? Ocupar a máquina com os quadros partidários, transformar cargos públicos em centrais de arrecadação? O presidente da República acha normal o caixa dois?
A TV Globo esclareceu que não teve interferências nas perguntas, apenas comprou o direito de transmiti-la. Ao pôr no ar a entrevista, ajudou a revelar duas coisas: a estranha avaliação do presidente da República sobre o que se faz no Brasil "sistematicamente" e a relação que ele quer ter com os veículos da imprensa nacional, a quem recusa sistematicamente conceder entrevistas. Fica-se sabendo, graças à divulgação da entrevista, que Lula prefere assim, perguntas do tipo alavanca, que o ajudem, como aquela: "Há males que vêm para bem?" E, desta forma, ele pode dizer que "doa a quem doer", o "o governo vai ser implacável com a corrupção". Sem que nada socorresse o jornalismo nesse diálogo de faz-de-conta. "Onde o pai Lula errou?", perguntou a repórter, referindo-se ao "filho" PT. Foi quando Lula mostrou o que pensa.
A estratégia do presidente foi acusar o PT. O governo dele apura como nunca se apurou, já prendeu, de verdade, mais de mil pessoas, garantiu. O PT tinha os melhores quadros do Brasil, eles foram para o governo dele e aí o partido cometeu erros e agora tem que explicar ao país os erros que cometeu, afirmou o presidente.
Se o problema foi só do partido, por que tantos foram demitidos dentro do governo Lula, a começar pelo chefe da Casa Civil, um dos dirigentes do qual ele desfalcou o PT? Nada se segura nesta tese de tentar jogar sobre o partido toda a culpa da grande confusão que houve, exatamente pelo erro de se misturar partido e governo.
Tanto que mais adiante — à pergunta: "Vossa Excelência sente mais peso hoje do que quando foi eleito presidente da República?" — Lula disse que agora deveria ser a hora de colher o bom momento econômico. "Não estava previsto acontecer era nenhum erro político, nenhuma crise mais forte, mas aconteceu." Ora, se a crise é só do PT que decidiu fazer o que se faz sistematicamente no Brasil, não deveria haver risco algum. Mas Lula vê risco de o país perder uma chance. "O Brasil é mais respeitado hoje no mundo." O mundo, felizmente, sempre separou o Brasil de seu governo, tanto que, em plena crise Collor, o país viu desembarcar no Rio dirigentes do mundo inteiro para discutir o destino do planeta na Rio 92.
A assessoria de imprensa do presidente Lula quis garantir a ele um ambiente confortável, livre das incômodas perguntas diretas ao ponto, livre do risco de uma segunda pergunta mostrando a inconsistência do seu pensamento. Fracassou porque não conseguiu defendê-lo de si mesmo. Lula contou ao país que o PT, que chegou ao poder garantindo que seria diferente, fez o que "sistematicamente" se faz. Lula encerrou a entrevista falando sobre 2006: "O Brasil está no caminho certo e não tem por que mudar de rota." Não, o país está num descaminho, vivendo a pior crise da sua história recente, sem que o presidente da República explique ao país como vai superá-la.
Entrevista:O Estado inteligente
- Índice atual:www.indicedeartigosetc.blogspot.com.br/
- INDICE ANTERIOR a Setembro 28, 2008
Assinar:
Postar comentários (Atom)
Arquivo do blog
-
▼
2005
(4606)
-
▼
julho
(532)
- Do foguetório ao velório Por Reinaldo Azevedo
- FHC diz que Lula virou a casaca
- DORA KRAMER A prateleira do pefelê
- Alberto Tamer Alca nunca existiu nem vai existir
- Editorial de O Estado de S Paulo Ética do compadrio
- LUÍS NASSIF A conta de R$ 3.000
- As elites e a sonegação JOSÉ ALEXANDRE SCHEINKMAN
- Lula se tornou menor que a crise, diz Serra
- JANIO DE FREITAS A crise das ambições
- ANTÔNIO ERMÍRIO DE MORAES Responsabilidade e amor ...
- ELIANE CANTANHÊDE É hora de racionalidade
- CLÓVIS ROSSI Não é que era verdade?
- Editorial de A Folha de S Paulo DESENCANTO POLÍTICO
- FERREIRA GULLAR:Qual o desfecho?
- Editorial de O Globo Lição para o PT
- JOÃO UBALDO RIBEIRO Não é por aí
- Miriam Leitão :Hora de explicar
- Merval Pereira Última instância e O imponderável
- AUGUSTO NUNES :A animada turnê do candidato
- Corrupção incessante atormenta a América Latina po...
- Blog Noblat Para administrar uma fortuna
- Diogo Mainardi Quero derrubar Lula
- Tales Alvarenga Erro tático
- Roberto Pompeu de Toledo Leoa de um lado, gata dis...
- Claudio de Moura Castro Educação baseada em evidência
- Dirceu volta para o centro da crise da Veja
- Ajudante de Dirceu estava autorizado a sacar no Ru...
- Até agora, só Roberto Jefferson disse a verdade VEJA
- O isolamento do presidente VEJA
- VEJA A crise incomoda, mas a economia está forte
- veja Novas suspeitas sobre Delúbio Soares
- VEJA -A Petrobras mentiu
- Editorial de O Estado de S Paulo A conspiração dos...
- DORA KRAMER O não dito pelo mal dito
- FERNANDO GABEIRA Notas de um pianista no Titanic
- Economia vulnerável GESNER OLIVEIRA
- FERNANDO RODRIGUES O acordão
- CLÓVIS ROSSI A pizza é inevitável
- Editorial de A Folha de S Paulo A SUPER-RECEITA
- Editorial de A Folha de S Paulo O PARTIDO DA ECONOMIA
- Zuenir Ventura O risco do cambalacho
- Miriam Leitão :Blindada ou não?
- A ordem é cobrar os cobradores
- Mas, apesar disso, o PSDB e o PFL continuam queren...
- Em defesa do PT Cesar Maia, O Globo
- Senhor presidente João Mellão Neto
- Editorial de O Estado de S Paulo 'Novo fiasco dipl...
- Editorial de O Estado de S Paulo 'Erros', fatos e ...
- DORA KRAMER Um leve aroma de orégano no ar
- Lucia Hippolito :À espera do depoimento de José Di...
- LUÍS NASSIF Uma máquina de instabilidade
- ELIANE CANTANHÊDE Metralhadora giratória
- CLÓVIS ROSSI Socorro, Cherie
- Editorial de A Folha de S Paulo SINAIS DE "ACORDÃO"
- Editorial do JB Desculpas necessárias
- Villas-Bôas Corrêa A ladainha dos servidores da pá...
- Editorial de O Globo Acordo do bem
- Miriam Leitão :Apesar da crise
- Luiz Garcia A CPI e os bons modos
- Merval Pereira Torre de Babel
- DILEMA PETISTA por Denis Rosenfield
- Ricardo A. Setti Crise mostra o quanto Lula se ape...
- Um brasileiro com quem Lula preferiu não discutir ...
- Editorial de O Estado de S Paulo Do caixa 2 ao men...
- Que PT é esse? Orlando Fantazzini
- Alberto Tamer China se embaralha para dizer não
- DORA KRAMER Elenco de canastrões
- LUÍS NASSIF Uma questão de tributo
- PAULO NOGUEIRA BATISTA JR. Antídoto contra a mudança
- JANIO DE FREITAS Questão de ordem
- Responsabilidade DENIS LERRER ROSENFIELD
- DEMÉTRIO MAGNOLI A ética de Lula e a nossa
- ELIANE CANTANHÊDE Caminho da roça
- CLÓVIS ROSSI Legalize-se a corrupção
- Editorial de A Folha de S Paulo PRISÃO TARDIA
- Lucia Hippolito :Uma desculpa de Delúbio
- Cora Ronai Não, o meu país não é o dos delúbios...
- Miriam Leitão Dinheiro sujo
- MERVAL PEREIRA Seleção natural
- AUGUSTO NUNES Tucanos pousam no grande pântano
- Villas-Bôas Corrêa- Lula não tem nada com o governo
- José Nêumanne'Rouba, mas lhe dá um bocadinho'
- Entre dois vexames Coluna de Arnaldo Jabor no Jorn...
- Zuenir Ventura Apenas um não
- Editorial de O Estado de S. Paulo As duas unanimid...
- Luiz Weiss O iogurte do senador e a "coisa da Hist...
- Nunca acusei Lula de nada, afirma FHC
- Editorial de O Estado de S Paulo Triste tradição
- Editorial de O Estado de S Paulo Lula sabe o que o...
- A mentira Denis Lerrer Rosenfield
- As duas faces da moeda Alcides Amaral
- LUÍS NASSIF O banqueiro e a CPI
- FERNANDO RODRIGUES Corrupção endêmica
- CLÓVIS ROSSI Os limites do pacto
- Editorial de A Folha de S Paulo O CONTEÚDO DAS CAIXAS
- Editorial de A Folha de S Paulo A CRISE E A ECONOMIA
- DORA KRAMER À imagem e semelhança
- Miriam Leitão :Mulher distraída
- Zuenir Ventura aindo da mala
- Merval Pereira Vários tipos de joio
-
▼
julho
(532)
- Blog do Lampreia
- Caio Blinder
- Adriano Pires
- Democracia Politica e novo reformismo
- Blog do VILLA
- Augusto Nunes
- Reinaldo Azevedo
- Conteudo Livre
- Indice anterior a 4 dezembro de 2005
- Google News
- INDICE ATUALIZADO
- INDICE ATE4 DEZEMBRO 2005
- Blog Noblat
- e-agora
- CLIPPING DE NOTICIAS
- truthout
- BLOG JOSIAS DE SOUZA
Nenhum comentário:
Postar um comentário