o globo
O presidente e o governo têm mostrado alguma reação nos últimos dias, mas não é a reação certa. A cerimônia de ontem com sindicalistas lembrou de novo o chavismo: a união de interesses corporativos em torno do presidente e a visão conspiratória nas acusações contra os "conservadores". Os novos ministros foram escolhidos exatamente da mesma forma que os outros: através de consultas aos políticos ou por serem amigos.
Os sindicalistas acusaram de novo "a imprensa conservadora". Esse foi um ingrediente importante do modelo chavista de construção do conflito entre as duas partes do país. O presidente não precisa de apoios gongóricos. Precisa entender que a crise é grave, que sua imagem está se erodindo rapidamente e que, conforme mostrou a pesquisa publicada na revista "Veja", a maioria acredita que o presidente sabia dos erros cometidos por alguns integrantes do partido e do governo. Outras pesquisas flagraram um aumento importante do percentual de brasileiros que acham que há corrupção no governo.
Um dos amigos sindicalistas que aplaudiram o presidente ontem disse que "a crise está na mídia conservadora", outro criticou o "espetáculo de denuncismo". A briga não é com a imprensa; nem com os partidos de oposição. É para reconquistar a confiança perdida junto a amplas parcelas da população. A hora não é de ressentimentos, nem de se sentir perseguido. Os erros foram muitos, já estão detectados; alguns estão apurados, outros são apenas suspeitas com indícios fortíssimos. A opinião pública quer reação contra a corrupção. Seja ela do PT ou do PFL. E está farta de desculpas esfarrapadas, que são um desrespeito à inteligência geral. Ontem foi o dia de ouvir, na primeira explicação da Igreja Universal, que R$ 20 milhões podem ser recolhidos junto à população do Norte do país (região com a menor densidade demográfica do Brasil) em apenas uma comemoração da Igreja Universal.
Escolher ministros através de conchavos nos gabinetes com o pressuposto de aumentar o governismo do Congresso é exatamente o que, para a opinião pública, provocou o problema atual. Nomear amigos, por melhores que sejam, dá na mesma. O governo está tendo dificuldade de recrutar nomes de notáveis que levem mais credibilidade, mas certamente não é escolhendo amigos e indicados pelos mesmos políticos de sempre que será superada a crise de confiança atual.
Decisões populistas ao assumir — como fez o ministro das Comunicações, acenando com mudanças no cálculo da assinatura básica — não resolvem nada também e aumentam a incerteza regulatória. No ano que vem, os aumentos de tarifas serão menores, porque o IGP-M caiu muito este ano. Foi 12% em 2004; pode ser apenas 4% este ano, o que significa que os aumentos de 2006 serão menores.
Fazer concessões fiscais pode provocar o oposto do que se espera. Elas não aumentam a confiança no governo; na verdade, diminuem. O que o governo tem que fazer na economia é continuar no mesmo rumo da política econômica. A inflação está em queda, os juros vão cair, o desemprego vai continuar caindo nos próximos meses e a queda dos juros pode deter o processo de desaceleração. Os indicadores externos continuam excelentes. Mas da economia não sairá nenhuma salvação para a política. Na política é que serão dados os passos para a solução do problema. Porém não será costurando apoios à velha moda — no sentido não monetário, evidentemente — que se aumentará a confiança da população no governo, e, sim, apurando.
A estratégia de produzir uma chuva de CPIs será vista como é: uma manobra que tenta iludir em vez de buscar a verdade de fatos que estão incomodando o país. Alguns órgãos do governo, como o Coaf e a Polícia Federal, têm produzido dados importantes para ajudar na apuração e é assim que se deve continuar. Essa é a melhor resposta, e não truques para confundir a opinião pública ou cansá-la pelo excesso de CPIs e depoimentos.
No Ministério da Saúde, o novo ministro disse que chegou lá pela política, pelas mãos do seu partido, o PMDB. É o maior orçamento da República, ministério em que se apurou o maior escândalo de corrupção: o dos vampiros.
Em Minas e Energia, o ministro comemorou o potencial hidrelétrico do país. De fato, o Brasil tem enorme potencial, até porque não respeita os limites que deveria respeitar. Enquanto o país se concentra nas apurações dos escândalos, teve pouco espaço na imprensa a notícia de que a ministra Dilma Rousseff mandou inundar quatro mil hectares de floresta no Sul do país. Floresta de araucária, árvore protegida por lei. Pelo menos dois mil hectares dessa floresta são mata primária. Nos próximos quatro meses, será lentamente alagada para produzir energia equivalente a apenas uma turbina de Itaipu. O pior da hidrelétrica de Barra Grande, que recebeu autorização para fazer seu lago nessa mata, é que ela foi construída em cima de uma fraude. A ordem para que se encha o lago convalida o crime da mentira no EIA-Rima, que relatou haver apenas uma vegetação sem valor no local. Como o EIA-Rima mentiroso foi liberado no governo anterior e a concessão também, o governo Lula perdeu uma ótima oportunidade de acertar. A lenta agonia de uma floresta rara e protegida por lei deve produzir tristes imagens nos próximos meses.
Entrevista:O Estado inteligente
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