Entrevista:O Estado inteligente

quarta-feira, julho 13, 2005

Há um fino golpe no ar ELIO GASPARI

o globo


Égolpista a articulação de uma renúncia de Lula à reeleição. Embrulhada numa Sacola da Daslu (a Bolsa Família dos tucanos), ela funcionaria assim:

1 — Lula vai à televisão e anuncia que não disputará a reeleição.

2 — O Congresso aprova uma emenda constitucional que acaba com a reeleição e aumenta de quatro para cinco anos o mandato dos próximos presidentes da República.

3 — Desmoralizado, o companheiro vai para casa, o PT definha, e o PSDB volta ao Planalto.

A idéia é golpista porque coloca a Constituição a reboque de um arranjo. As leis da terra dizem que o mandato de Lula vai até o dia 1 de janeiro de 2007, quando será substituído na Presidência pelo cidadão escolhido em 2006. Essas mesmas leis garantem ao companheiro o direito de disputar a reeleição.

O arranjo embute a cassação dos cidadãos encarregados de eleger o presidente da República. Cassa-lhes o direito de julgar Lula. Se ele quiser disputar a reeleição, duas coisas podem acontecer: ganha ou perde. Nos dois resultados, seu destino será decidido pela patuléia soberana que o pôs no Planalto em 2002. Os hierarcas de Brasília não têm mandato para fazer um cambalacho que tira aos eleitores o direito de decidir a questão. Tem gente disposta a mostrar que continua confiando no presidente, assim como tem gente que venderia a cueca para ter o gosto de mandá-lo de volta para São Bernardo.

O interesse pela renúncia de Lula reflete dois tipos de receios. A desistência seria conveniente para preservá-lo. Uma espécie de trégua no andar de cima. Esse é o receio bem-intencionado. Maligno é o medo de que, uma vez candidato, Lula se reeleja. Afinal, se esse medo não existisse, a desistência seria desnecessária, por irrelevante.

Medo de voto é coisa perigosa. Não custa lembrar uma brilhante construção do jornalista Carlos Lacerda em 1950: "O sr. Getúlio Vargas (?) não deve ser candidato à Presidência. Candidato, não deve ser eleito." Até aí, tudo bem, mas Lacerda continua: "Eleito, não deve tomar posse. Empossado, devemos recorrer à revolução para impedi-lo de governar." As desgraças da política nacional na segunda metade do século passado vinham das duas primeiras negativas: "não deve ser candidato (?)", "não deve ser eleito". Era o medo da volta de Vargas, que virou medo da chegada de João Goulart e, mais tarde, tornou-se o medo (absolutamente despropositado) da vitória de Lula.

Trata-se de um golpezinho esperto, porque seria ratificado pela vítima. Como na mágica de 1961, quando João Goulart se conformou com o parlamentarismo de mentirinha que salvou a face de uma revolta de generais derrotada nas ruas. É também um golpe bem-educado, pois assenta-se exclusivamente num conchavo parlamentar. Não rosna a força das armas, nem a da rua.

Em 1840, com o Golpe da Maioridade, os mandarins do Império colocaram um garoto de 14 anos no trono do Brasil. Na República, sucederam-se os Golpes da Menoridade, todos destinados a substituir a vontade de um povo considerado incapaz. A idéia é sempre a mesma: em nome de uma conciliação destinada a aplacar as tensões da Guerra Fria (no século XX) ou dos mercados financeiros (no XXI) aceita-se qualquer acordo, desde que a escumalha fique de fora.

Se Lula achar que deve disputar a reeleição, não se pode tirar ao povo brasileiro o direito de decidir onde o companheiro vai morar.

Um comentário:

ARTIGOS disse...

Gaspari 2 - Se existe golpismo, ele está em outro lugar

3h57 - Gaspari está errado no fato e no mérito. Quem lançou tal proposta primeiro fui eu, não foi um tucano. Talvez eu tenha um bico grande escondido no peito, mas ainda não se detectou em nenhuma radiografia ideológica. E propus porque a crise do presidencialismo chega a seu paroxismo com Lula, que até pode ser reeleito, com uma, atenção!, minoria ainda mais vitosa do que tem hoje. Encaminhar mandato único de cinco anos ele próprio, excluindo-se da regra, não parece prudente. E minha proposta original compreende que se debata o parlamentarismo para o sucessor do sucessor de Lula. FHC chegou a sugerir, parece, que ele não se recandidatasse. Foi o único tucano. Cheguei a falar da minha tese a Serra num encontro casualíssimo. Com a objetividade costumeira, descartou: "Bobagem discutir isso agora", coisa que o prefeito e o PSDB reiteraram ontem. Golpes podem ser tão finos e tão sutis que talvez sejam outra coisa. Cristovam Buarque, notório golpista, sugeriu o mesmo a Lula. Ademais, me parecia, como a Cristovam, que sem ter de manobrar em favor do continuísmo, Lula poderia ficar mais à vontade para tocar o governo como deve ser. Tucanos não têm nada a ver com isso. Alguns deles, aliás, até exageraram na blindagem do presidente. Se algum tucano deu golpe, foi nos fatos. Mas a favor de Lula, e não contra (ver notas sobre CNT-Sensus abaixo). Cada um vê golpe segundo seus critérios. Parece-me bem mais "golpista" encher o salão nobre no Palácio do Planalto com sindicalistas que ameaçam: "Não ousem mexer com Lula" e que gritam slogans em favor da reeleição. Golpista na intenção e ilegal na circunstância. — Reinaldo Azevedo -No PRIMEIRA LEITURA

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