Entrevista:O Estado inteligente

quinta-feira, julho 21, 2005

Miriam Leitão :As delubianas

o globo

Não expulsar, nem suspender o tesoureiro licenciado Delúbio Soares mostra que a direção do PT perdeu até o instinto de sobrevivência. Mesmo diante do horror da opinião pública e da indignação das várias alas do partido que não têm coisa alguma com as confusões delubianas, a Executiva preferiu ficar ao lado de Delúbio. Ele confessou crime e suspeita-se que foi para esconder crimes maiores. Além disso, levou o Partido dos Trabalhadores à falência financeira.
Delúbio e Sílvio Pereira desembarcaram na CPI com licença para mentir. E abusaram desse direito. Durante os dois últimos dias, o país teve que assistir aos dois dirigentes petistas negando o sabido e comprovado, ou dando versões inverossímeis.


O tesoureiro licenciado contou ontem uma história delirante. Para acreditar nela, é preciso abdicar da capacidade de raciocínio. É o seguinte: necessitando pagar dívidas de campanha em 2003, procurou o recém-conhecido Marcos Valério e pediu que ele contraísse empréstimos, em seu nome e no das empresas dele, que atingiram o valor de R$ 39 milhões, e repassasse o dinheiro a quem do PT e da base aliada tivesse dívidas para pagar. Nada disso foi declarado ou contabilizado, aliás a dívida era oculta porque o balanço do PT mostra um déficit mínimo. Escolheu esse caminho por razões éticas. Disse que, se pedisse dinheiro aos militantes e eles fossem nomeados para o governo, ficaria estranho. Se pedisse a empresas, pareceria uma forma de vender vantagens futuras. Ou seja, para não fazer algo que poderia ser visto como antiético, Delúbio Soares contratou empréstimos através de um testa-de-ferro fornecedor do governo, escondeu a informação, mentiu, sonegou e montou um caixa dois. No delírio de Delúbio, a crise atual não é provocada por esses absurdos, mas, sim, porque o governo atual está sofrendo um ataque violento por parte de quem quer desestabilizá-lo.

O partido que expulsou, nos anos 80, os deputados Bete Mendes e Aírton Soares por terem votado em Tancredo Neves — eleição que representou o fim da ditadura — e, em 2003, expulsou Heloísa Helena e outros por votarem contra a reforma da Previdência, acha que a dupla Sílvio-Delúbio não deve ser nem mesmo suspensa. No partido das decisões coletivas, uma única pessoa comete desatinos, não conta a ninguém, ameaça o governo, mas é protegido pela nova diretoria que lhe paga o advogado.

Mesmo que todas as acusações contra Delúbio fossem falsas, mesmo que não houvesse o caixa dois, confessado por ele, ainda assim, Delúbio teria que ser responsabilizado por gestão temerária: estourou o caixa do partido, o caixa um; dilapidou o que poderia ter sido o melhor momento financeiro do PT, quando a arrecadação aumentou; endividou-o de forma irresponsável e aprovou gastos supérfluos.

O PT teve, com a chegada ao poder, uma coincidência feliz: mais contribuições individuais de militantes, muitos deles por estarem mais bem empregados ou em cargos de chefia; mais doações de empresários, aumento de 100% do repasse do Fundo Partidário desde 2002. No ano passado, o PT arrecadou R$ 48 milhões, segundo Delúbio disse à CPI: as empresas doaram R$ 18 milhões, nove vezes mais do que doaram ao PSDB, por exemplo; os militantes entregaram ao partido R$ 4 milhões em suas doações mensais. Se fosse uma empresa, estaria num bom momento, no de crescimento das suas várias fontes de receita. E, mesmo assim, ele afunda o partido em dívidas bancárias e pára de pagar aos fornecedores.

O Banco do Brasil disse que não exigiu avalista no contrato de leasing, porque, segundo o presidente Rossano Maranhão, nessa modalidade de crédito não é exigido avalista. Alega que executará as dívidas, que têm como garantia os computadores e o Fundo Partidário, cuja conta é no próprio Banco do Brasil. O BMG avisou que irá executar também a partir de setembro. Cercado de dívidas e de credores, o PT anuncia que fará superávit primário. Essa é a única boa notícia. O PT, partido que queria dar o calote da dívida externa do país, agora reconhece e aceita pagar uma dívida interna partidária. O que o PT não vai reconhecer é a milionária dívida oculta com Marcos Valério.

Pelas versões apresentadas pelo publicitário e por Delúbio, a coisa se passou assim: ele aceitou se encalacrar todo nos bancos em seu nome, em nome de sua mulher, Renilda, em nome de suas empresas para transferir esse dinheiro para quem Delúbio mandasse. Sem qualquer garantia de recebimento do dinheiro e sem querer qualquer vantagem no governo, apenas pela súbita e intensa amizade que nutria pelo tesoureiro do PT.

Em uma única reunião do Banco do Brasil, Marcos Valério recebeu um contrato sem licitação de R$ 23 milhões. Ele ganhara a concorrência da publicidade com o banco em 2003, muito antes de ser criado o Banco Popular do Brasil. Mesmo assim, o contrato de publicidade foi ampliado para incluir a conta do Banco Popular e dado à DNA por uma simples decisão da diretoria.

Tudo é abusivo nesta história, as versões combinadas estrategicamente e apresentadas à CPI não são minimamente aceitáveis. O presidente da República erra sistematicamente. A hora é dramática para as instituições brasileiras. Não se viu nada tão devastador e perigoso desde que iniciamos a construção da democracia; há 20 anos.

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