Entrevista:O Estado inteligente

quinta-feira, julho 21, 2005

Merval Pereira Crise institucional

o globo

O PT, que passou os últimos 25 anos apontando o dedo para os demais partidos políticos, colocando-se como a única alternativa ética para a política, agora tenta atraí-los para o mesmo mar de lama em que se debate e afunda, diante da revelação das evidências de um esquema de corrupção que foi montado no governo, que estão surgindo através da CPI dos Correios.

Apenas com a quebra de sigilo do Banco Rural e do Banco do Brasil, e depoimentos na Procuradoria Geral da República, já existe uma extensa relação de mais de cem políticos, ou de pessoas ligadas a políticos, que foram aquinhoadas por somas sacadas com a autorização do ex-tesoureiro petista Delúbio Soares.

Já está mais do que demonstrado que houve contribuições de diversas qualidades: os que corresponderiam ao mensalão, especialmente porque a diretora da SMP&B, Simone Vasconcellos, retirou quantias tão volumosas que tinham que sair de carro-forte. Certamente iam para o tal quarto de hotel onde ela "se cansava" de separar dinheiro e distribuir a homens que "entravam e saíam".

Houve também saques de apenas uma vez, que indicariam os "bônus" pagos para trocas de partido para fortalecer a base aliada no Congresso. Com todas essas evidências, no entanto, os membros da base aliada do governo, em especial os do PT, em vez de se indignarem com o ex-tesoureiro que jogou suas reputações no lixo da História, procuram relembrar casos de governos anteriores, como a querer provar que essa prática é antiga e generalizada. Em vez de investigar a fundo o que aconteceu no seu próprio terreiro, para depois partir para soluções gerais, os petistas repetem o discurso do tesoureiro do ex-presidente Collor, que acusou todos os políticos de "hipocrisia".

A versão montada de última hora para justificar os milhões que andaram transitando em malas e carros-fortes pelo país encoberta, ao que tudo indica, um esquema muito mais amplo de tomada de poder, de um lado através do uso da máquina estatal, de outra pela cooptação de políticos.

Delúbio Soares, que assumiu para si toda a responsabilidade sobre a tramóia, depôs ontem na CPI mista dos Correios protegido por um hábeas-corpus, mas prejudicado por uma fisionomia que não o deixava esconder sua imensa culpa, apesar do riso permanente, que tanto poderia ser de deboche ou de nervosismo.

A disputa política impede que haja uma revolta contra os métodos adotados pela antiga diretoria petista, a mesma disputa que fez com que a punição a Delúbio Soares não fosse aplicada. Na Revolução Cultural chinesa de Mao Tse Tung, ficou tristemente famosa a Camarilha dos Quatro, formada por dirigentes do Partido Comunista chinês, entre eles a viúva de Mao, Jiang Qing, que fizeram inúmeros desmandos em nome da revolução, perseguindo intelectuais de oposição, especialmente nas áreas cultural e de educação, até a morte de Mao, quando foram expurgados pelo governo de Deng Xiaoping.

No PT, embora o grupo que atuava sob o comando do ex-ministro José Dirceu esteja sendo chamado de "Camarilha dos Quatro" — além de Dirceu, José Genoino, Delúbio Soares e Sílvio Pereira —, a luta interna no partido ainda não permite que o novo grupo dirigente se imponha sobre o antigo, a ponto de a maioria do Campo Majoritário ainda proteger os "expurgados" Delúbio Soares e Sílvio Pereira.

O que está sendo revelado com os documentos que chegam à CPI dos Correios, no entanto, mostra que foi montado um esquema de corrupção nunca visto no país, e não apenas o caixa dois que tentam mostrar como o único desmando. Se a imagem dos políticos, e especialmente a da Câmara, já estão corroídas como mostram as pesquisas de opinião, esse esquema contamina as instituições democráticas brasileiras.

Por isso, o advogado e cientista político Nelson Paes Leme considera que a comparação do brasilianista David Samuels, professor da Universidade de Minnesota, da crise do PT à do Partido Republicano nos Estados Unidos, feita aqui na coluna de sábado, "é absolutamente inaceitável". A crise do Watergate, ressalta ele, "foi um caso de espionagem partidária e jamais contaminou o Capitólio nem as instituições democráticas norte-americanas".

Na sua análise, o "presidente Nixon se viu forçado a renunciar porque, caso não o fizesse, teria o seu mandato cassado pelo Congresso. Já o presidente Lula está com 60% de aceitação popular apesar de todo o escândalo do mensalão, e o Congresso brasileiro é que está totalmente desmoralizado diante da opinião pública".

Paes Leme acha que é necessário, também, entender a estrutura e origem desses dois partidos em seus países. "Ambos os principais partidos americanos são profundamente democratas e sua origem absolutamente republicana. Já o PT é um partido de formação eminentemente marxista, com forte componente autoritário, tendo representado uma válvula de escape para vinte anos de ditadura militar de direita no Brasil". Na definição de Paes Leme, a questão democrática é utilizada pelo PT "como um meio, para atingir o socialismo".

O raciocínio do cientista político Nelson Paes Leme está tomando conta dos políticos oposicionistas da CPI mista dos Correios que, à medida que vai se desvendando toda a trama por trás das movimentações financeiras do PT, vão se convencendo de que o que estava em curso era um esquema de tomada de controle do Congresso e da máquina estatal para a perpetuação do PT no poder.

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