Entrevista:O Estado inteligente

quinta-feira, julho 21, 2005

AUGUSTO NUNES :O procurador se perdeu no pântano

jb
 

O advogado Ramon Guedes mora num milionário apartamento na Avenida Vieira Souto e mantém um escritório de trabalho com vista para as areias de Ipanema. Os dois endereços ornamentam o andor principal da procissão de bens acumulados pelo advogado. E avisam que Ramon é homem rico.

Nunca defendeu grandes causas, jamais cuidou dos interesses de clientes cinco estrelas. As origens do patrimônio não estão nos honorários cobrados por grandes juristas - ele não é sócio desse clube. Ramon não enriqueceu como advogado. Mas só localizou os caminhos da fortuna por ter cursado uma faculdade de Direito. Se não conhecesse a lei, não saberia driblá-la. Nas salas de aula Ramon começou a dominar a arte de tungar o INSS.

No fim dos anos 80, já se tornara um especialista no desmatamento de trilhas que conduzem a cofres desprotegidos. Animado com a fragilidade das barreiras e a vigilância preguiçosa, decidiu acelerar a pilhagem. O plano de expansão requeria parceiros, problema eliminado pela montagem de uma quadrilha doméstica. Submetidas a um curso intensivo de fraude e estelionato, a mulher e a filha foram diplomadas com louvor pelo mestre Ramon.

O trio atacou com tamanha gana e gula que caiu na mira da Previdência. A polícia chegou rapidamente aos gatunos e os remeteu à Justiça. Em janeiro, a filha Samira, 42 anos, foi condenada por crimes de fraude e estelionato. Conseguiu trocar os 16 meses de prisão pela prestação de serviços à comunidade.

Alvo das mesmas acusações, sua mãe Sami livrou-se de castigos. O pai não teve tanta sorte. Processado pela Justiça Federal, Ramon aguarda a hora do julgamento. Sobra-lhe tempo para acompanhar o noticiário sobre o filho Glênio, protagonista de patifarias que honram e engordam o formidável prontuário da família.

Procurador da Fazenda Federal desde 1998, a pose e o figurino de Glênio evocavam um austero servidor da nação. A fantasia funcionou até o começo de julho, quando o doutor foi surpreendido pelo tiroteio iniciado nos Correios, ampliado pelo gatilho de Roberto Jefferson e intensificado com a chegada ao saloon do inverossímil Marcos Valério. Uma bala perdida explodiu a camuflagem que ocultava uma vistosa flor do pântano. Vistosa e voraz.

A bala foi disparada pela agenda de Fernanda Karina, ex-secretária de Valério, que registrou vários encontros entre o procurador e o homem da mala (que disputa com PC Farias o troféu reservado ao corrupto mais operoso da história republicana). Outras anotações na agenda informaram que Glênio era tratado com singular reverência pelo Banco Rural, cuja conta de publicidade é controlada por Valério desde 1995.

Passagens aéreas, jatinhos particulares, apartamentos de luxo, carros alugados e outros confortos adoçavam as visitas de Glênio a Belo Horizonte. Numa das incursões, o anfitrião presenteou seu recentíssimo amigo de infância com R$ 902 mil. Quase um milhão. Em notas novas, retiradas do Banco Rural.

Entre 2003 e 2004, Glênio esforçou-se para merecer o mimo. Uma das atribuições do procurador da Fazenda é produzir relatórios que fundamentam decisões do Conselho de Recurso do Sistema Financeiro Nacional. Em dois anos, Glênio neutralizou três punições aplicadas ao Banco Rural pelo Banco Central. Em janeiro de 2004, um parecer do procurador induziu o conselho a anular multas de R$ 1,9 milhão, por falta de controle na abertura de contas para depósito sob nome falso.

O Ministério da Fazenda afastou-o do cargo e abriu sindicância para investigar todas as pilantragens do procurador. Enquanto espera, ele deveria morar com o o pai. Se o Brasil tomar vergonha, os dois acabarão dividindo a mesma cela.


 

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