O Globo
A taxa de desemprego caiu mais do que se imaginava e a renda subiu um pouco. Essa foi a boa notícia econômica de ontem. A economia tem dado alguns motivos para comemoração, apesar de a crise política ir minando dia a dia a chance de a boa onda continuar. Na economia internacional, houve ontem um evento aguardado com ansiedade: a valorização da moeda chinesa. Mas foi tão tímida que não produziu as oscilações temidas.
A estatística tem seus mistérios. Às vezes, o otimismo da população provoca o crescimento da taxa de desemprego. Mais pessoas voltam a procurar emprego e, por isso, aumenta o número dos que entram na conta como desempregados. No começo do ano, a taxa sempre sobe; nesta época, começa a cair. Mas caiu mais do que se imaginava. O número de empregos formais criados em 12 meses é de quase 500 mil nas cidades pesquisadas.
— A pesquisa do IBGE traz uma notícia boa que é a queda da taxa para 9,4% e uma ligeira elevação da renda média, mas, por outro lado, houve um grande aumento do número de pessoas que desistiram de procurar emprego, tudo indica, por desalento. E junho costuma ser importante tanto em busca de emprego quanto em oferta, não é como em julho, que tem as férias. Em São Paulo, foram 19 mil desistências, e em parte, por isso, houve queda de desemprego. Em Salvador, onde quase não houve desistências, a taxa de desemprego permaneceu alta; foi de 14,7% — disse o sociólogo José Pastore.
O dado ainda intriga muita gente. Marcelo de Ávila, do Ipea, viu um número que o preocupou:
— O resultado foi bem atípico. Não pela queda do desemprego, mas porque a taxa de ocupação cresceu em apenas 11.000 empregos, com uma redução na PEA de 181.386 pessoas. Tem uma notícia boa: o emprego com carteira no setor privado está crescendo há cinco meses. Os rendimentos reais cresceram no mês contra mês 1,5%, mas na variação contra o ano passado, depois de 9 meses, caíram; 0,3%. Identificamos que 61% dos novos contratos pagam abaixo da média, de 900 reais — diz.
Outra área que tem produzido semanalmente boas novas é o comércio exterior. Na pesquisa do Banco Central, a previsão ainda está em torno de US$ 37 bilhões, mas alguns economistas começaram a falar agora em superávit comercial de 2005 perto de US$ 40 bilhões. Isso apesar da também inesperada valorização do real durante o ano inteiro. Com essa abundância de dólares, o governo está aproveitando o momento: o país vai acumular reservas mais fortemente nos próximos meses e pré-pagar o FMI.
— O governo Lula teve muita sorte desde o começo porque a situação internacional tem estado sempre bem; economia mundial crescendo, muita liquidez, a China se mantém em crescimento, o comércio internacional se expandindo — diz Álvaro Bandeira, da Ágora Senior.
Ontem houve uma mudança sempre temida na conjuntura internacional, mas começou tão suavemente que não produzirá o efeito ruim que se temia, nem o efeito bom que se aguardava: a valorização do yuan. A moeda chinesa está fixa em relação ao dólar há dez anos. Os chineses ficaram mais fortes e a moeda continuou congelada. Temia-se a valorização porque ela poderia derrubar mais o dólar; provocar mudanças dramáticas no mundo inteiro. Temia-se também que a China continuasse se negando a mudar o câmbio, pois isso aumentaria a tensão nas relações entre China e EUA, que têm pressionado pela mudança da moeda chinesa. A moeda subvalorizada aumenta artificialmente a competitividade chinesa. Ontem, a China permitiu uma pequena mudança: de 2%; além de trocar a paridade para uma cesta de moedas. Mostra que quer fazer a mudança cambial no estilo gradualista.
— O impacto será muito pequeno. Me parece que é mais um sinal de boa vontade política — afirma Alexandre de Ázara, do Itaú.
O mundo continua colaborando com o governo Lula: crescimento, nenhuma mudança dramática e muita liquidez garantindo, por exemplo, como disse Álvaro Bandeira, que a bolsa não caia. Ela cai para depois subir; sobe para depois cair e tem estado com resultado perto de zero no acumulado do ano. Diante das circunstâncias da crise política, é um bom resultado.
A pior notícia da economia continua sendo os juros que permanecem estupidamente altos. Até no mercado financeiro está difícil encontrar quem concorde com a avaliação do Banco Central. O economista Sérgio Goldenstein, que já foi do Banco Central e está agora na ARX Capital, é um dos que apóiam:
— O BC tem acertado. Acertou no ano passado quando apostou que o país estava crescendo quando o mercado achava que cresceria pouco; acertou ao elevar os juros porque a inflação subiu muito. A nossa inflação é mais alta do que a da maioria dos países do mundo.
É verdade, mas a desproporção entre a nossa taxa e a dos outros países não é explicável por nenhum dos indicadores que o Brasil tenha. Para se ter uma idéia, a taxa de juros reais, descontando-se a inflação projetada, está em 14% ao ano. A da Hungria, segundo lugar, está em 5%. Esses juros são um inegável aviso de anomalia. Nenhuma economia normal opera com esses juros. Portanto, o Brasil tem várias boas notícias na área econômica, mas os juros mostram que há muito a fazer para ser um país normal.
Entrevista:O Estado inteligente
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