Entrevista:O Estado inteligente

sexta-feira, julho 22, 2005

Editorial de O Estado de S Paulo Em estado de alienação


O presidente Lula não perde oportunidade de exibir o seu despreparo para o cargo - que a crise da corrupção elevou à enésima potência. Enquanto o seu mundo se desmancha, ameaçando soterrar a sua biografia política sob os mesmos escombros em que jaz, sem esperança de resgate, a nomenklatura do PT, e enquanto a opinião pública, abismada, se pergunta no que vai dar tudo isso aí, ele continua obsessivamente em campanha eleitoral. Inventa motivos os mais fúteis para ter uma tribuna depois da outra de onde poderá proclamar as virtudes que pretende ter e as realizações do "melhor governo que o Brasil já teve". Na terça-feira, a pretexto de prestigiar a ampliação de uma fábrica de celulares, foi a Taubaté advertir que "é preciso de uma vez por todas parar com o pessimismo no País", soberbamente alheio ao fato de que a matriz do pessimismo reside nos escândalos que se acercam mais e mais da Presidência da República.

No dia seguinte, no Recife, aproveitou a inauguração de um centro científico para armar ali o seu palanque. Em certo momento, dando a impressão de que ao menos iria reiterar as promessas de não esmorecer no combate à corrupção, começou com um "Estamos dispostos a enfrentar o que for necessário", completando, porém, "para provar que este país não vai jogar fora a oportunidade que tem" - decerto, a de reelegê-lo. Depois, comentou os seus constrangedores improvisos. "Melhor falar do que fazer bobagem", argumentou, sem se dar conta de que falava mais uma, ao sugerir que não as faz com freqüência, precisamente porque fala mais do que age. Voltando-se contra o ex-presidente Fernando Henrique, que parece não lhe sair da cabeça, sustentou que "governar independe da quantidade de escolaridade (sic) e formação acadêmica, dependendo muito mais do caráter e da inteligência".

À parte a noção tosca da inteligência como um atributo estático, que não se desenvolve com a massa de conhecimentos adquiridos ao longo da vida, a apologia da indigência cultural apenas confirma uma suspeita que não cessa de crescer à medida que Lula vai exercendo o seu mandato: a de que, tendo percorrido e tornado a percorrer os quatro cantos do País, do que tanto se orgulha, da missa não entendeu a metade. Lula jamais captou a complexidade da vida nacional, os diferentes tempos históricos que nela coexistem, as relações entre o Estado, a política e os inumeráveis interesses em movimento na órbita do poder. Daí, afinal, o seu estado de alienação, perceptível a olho nu, diante das revelações dos grossos delitos que se propagam, como uma metástase, pelo organismo da administração federal. Alienação que nos sugere a imagem de Nero tocando sua lira diante de Roma incendiada.

O que não significa, obviamente, que Lula seja desprovido de inteligência. O problema é que ela está voltada como que em tempo integral para o seu projeto personalista. O presidente pode não querer saber ou não conseguir saber do que vinha se passando nos promíscuos porões onde ambições de poder guiadas pela "ética bolchevista" se encontram com negócios movidos por uma ganância insaciável, uma coisa e outra expressas em cifras de assombrar até os brasileiros mais abonados. Mas Lula sabe perfeitamente o que quer: ficar no Planalto até 2010, com o PT ou sem, com o que há de mais execrável na política, se necessário. É para isso que "estamos dispostos a enfrentar o que é necessário". Mais difícil de explicar é o desconhecimento do País revelado pelos companheiros com "quantidade de escolaridade" maior do que ele, responsáveis pelas enormidades que passaram a vir à tona nos últimos dias.

Todo delinqüente racional procura avaliar os riscos a que as suas malfeitorias o sujeitarão, antes de praticá-las. Os Delúbios, seus iguais e superiores agiram como se esse risco fosse nulo. Isso porque vêem o Brasil como uma republiqueta, com uma imprensa tatibitate ou de aluguel e uma esfera pública inatingível pelos conflitos entre os seus parceiros do setor privado. Numa republiqueta esses parceiros econômicos são poucos, frágeis e incapazes, quando contrariados, de iniciar uma reação em cadeia como a que começou com o vídeo dos Correios e explodiu na denúncia do mensalão. "Deus não faz nada que não seja preciso fazer", disse o presidente no Recife. Aguarde-se, pois, o que a Divina Providência julgará preciso fazer com todos quantos, na era Lula, transgrediram sistematicamente o 8º mandamento.


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