o globo
Pacotes de dinheiro, secretárias e motoristas já fazem parte do imaginário nacional. O embaixador Marcos Azambuja, conhecido por sua mordacidade, anda dizendo que tem mais medo de secretárias e motoristas do que de colesterol alto. Três pacotes de dinheiro marcaram nossa história política recente, e pelo menos dois ganharam lugar definitivo nela, sendo o mais famoso o dos maços de notas perfazendo R$ 1,3 milhão achados pela Polícia Federal no escritório de uma empresa da atual senadora Roseana Sarney durante a campanha eleitoral de 2002, o que lhe valeu a desistência da candidatura à Presidência.
E os R$ 3 mil embolsados pelo ex-chefe dos Correios Maurício Marinho em nome de um esquema de corrupção chefiado pelo deputado Roberto Jefferson, o que provocou a atual crise política em que estamos envolvidos.
Um terceiro pacote de dinheiro ainda não se sabe que papel terá no episódio, mas pelo inusitado da situação já merece destaque: um dirigente do PT do Ceará, ainda por cima assessor de um deputado irmão do presidente do PT, José Genoino, foi preso com R$ 200 mil em uma bolsa e US$ 100 mil na cueca.
Não se encontrou ainda o famoso "batom na cueca", como ironicamente denomina-se uma prova irrefutável do malfeito, mas temos agora "dólares na cueca", uma das muitas contribuições petistas à modernização da corrupção no país.
Quem se dispuser a acompanhar as sessões da CPI dos Correios vai ter uma boa visão de que país é esse. Uma dúzia de deputados(as) e senadores(as) exerce seu ofício com seriedade e dedicação, demonstram que fizeram o dever de casa, estudaram os depoimentos, perguntam de maneira pertinente e objetiva, em busca da verdade, e não de uma posição política.
A maioria, porém, enche a boca com discursos vazios diante das câmeras de TV. Outros repetem perguntas já feitas, tentam mostrar uma esperteza que não têm. O clima de Escolinha do Professor Raimundo prevalece, é permanente. A falta de respeito às regras é constante, a tentativa de dissimulação das reais intenções chega às vezes a ser patética.
Como a daquele deputado petista que perguntou à secretária Karina Somaggio, com o objetivo de desacreditá-la, se não considerava estranho que, em Belo Horizonte, o lobista (ele chamava sempre de empresário) Marcos Valério não utilizasse um carro-forte em vez de transportar tanto dinheiro por motoboys. Como se desconhecesse que carros-fortes exigem identificação da mercadoria transportada. Ou não soubesse que o dinheiro de que se trata na CPI é ilegal, por isso transportado em maletas.
Uma temporada desse folhetim inacreditável basta para que entendamos que nossos políticos realmente representam o Brasil em todas as suas nuances, em todas as suas carências e mesquinharias. E também em sua grandeza, quando se vê que as instituições estão funcionando normalmente, apesar dos sustos nossos de cada dia.
Pode ser ignorância minha, mas quem, a não ser os envolvidos, sabia que as licitações dos órgãos públicos são disputadas por "empresários" que não fabricam nada, meros atravessadores, que intermedeiam desde botas do Exército até capas de chuvas dos carteiros, e brigam de morte entre si, corrompem toda a cadeia gerencial, envolvendo arapongas e propinas a funcionários de terceiro escalão? Pequenos cafetões do dinheiro público, tudo muito rastaqüera para os milhões que estão em jogo.
E quem diria que a nossa temida Agência Brasileira de Informações, a Abin, sucessora do monstro SNI, transformou-se em um centro de baixa arapongagem, do tipo que monta pacientemente a maleta de espionagem com que filma escondido com acessórios comprados na feira do Paraguai de Brasília? É como se terroristas internacionais montassem uma bomba atômica com peças compradas em camelôs.
Outro dia o Zuenir Ventura lembrou uma frase de nosso filósofo popular Tim Maia, que dizia que no Brasil as coisas não podem dar certo por que aqui "traficante se vicia, cafetão se apaixona e puta goza". Agora temos um araponga que se considera um jornalista investigativo, e sonha em ganhar o Prêmio Esso de Jornalismo pelo "furo" de reportagem que sua maleta paraguaia proporcionou.
Foi preciso que um especialista em utilização de "restos de campanha" abrisse o jogo, depois de uma desavença com seus cúmplices, para que um facho de luz fosse jogado nesse mundo subterrâneo. Verdadeiro pedagogo da contravenção eleitoral, o deputado Roberto Jefferson se auto-enlameia para poder enlamear os outros, na exata medida da orientação de seus advogados. Incrimina-se cuidadosamente, se movimenta dentro dos limites que as brechas da lei determinam, e cria uma confusão dos diabos quando se manifesta.
Com toda a sinceridade que suas más intenções permitem, Roberto Jefferson esclarece nossas dúvidas: por que um político tem interesse em nomear um diretor de estatal, ou o secretário da Receita Federal em um estado, ou o chefe da Alfândega do aeroporto internacional? Pura demonstração de prestígio? Nada disso. Os nomeados, está implícito, se encarregam de arranjar "doadores" para as campanhas políticas dos partidos que os indicou. Além de outros favores menores.
Malas de dinheiro, empréstimos milionários, repasse de verbas publicitárias, tudo vai para o mesmo destino: o financiamento das campanhas eleitorais. Tudo pela causa. E, como se está vendo, quase sempre a causa própria acaba recebendo umas rebarbas, e aí você tem procuradores milionários, cunhados que se beneficiam, mecenas que descobrem novos Bill Gates no centro do poder, empresários que dão avais milionários e companheiros com dólares na cueca. Que país é esse?
Entrevista:O Estado inteligente
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