O Globo
O fracasso da experiência sindicalista-petista no governo, a cada dia mais flagrante, pode ser simbolizado no Land Rover que o dirigente sindical Sílvio Pereira recebeu de presente do diretor de uma empreiteira que tem negócios com a Petrobras. O governo de um ícone do novo sindicalismo brasileiro, que já teve quase um terço de seus ministros saídos das lutas sindicais, e inúmeros cargos da estrutura estatal de poder ocupados por sindicalistas, vai entrar para a história da esquerda como mais uma experiência prática a ser discutida à luz do famoso livro de Lênin "O que fazer?", escrito em 1902 para o 2 Congresso do Partido Social Democrata Russo e adotado como fórmula para a organização partidária dos socialistas revolucionários.
Nele, Lênin chamava a atenção para os riscos da incorporação pura e simples de lideres sindicais à política, sem uma preparação para serem líderes socialistas. Diz Lênin em "O que fazer?": "Na maioria dos casos, concebe-se o militante ideal muito mais semelhante a um secretário de sindicato do que a um chefe político socialista. Por que o secretário de qualquer sindicato inglês, por exemplo, ajuda sempre os trabalhadores a sustentar a luta econômica, organiza a denúncia dos abusos nas fábricas, explica a injustiça das leis e disposições que restringem a liberdade de greve e a liberdade de colocar piquetes perto das fábricas (para avisar a todos que tal fábrica está em greve), explica a parcialidade dos juízes pertencentes às classes burguesas. Em resumo, todo secretário sindical sustenta e mantém a luta econômica contra os patrões e o governo".
Mas Lênin ressalta que "nunca será bastante insistir em que este não é um social-democrata, que o ideal do social-democrata não deve ser o secretário sindical, mas o tribuno popular, que sabe reagir a toda manifestação de arbitrariedade de opressão, onde quer que se produza e qualquer que seja o setor ou a classe social que afete; que sabe sintetizar todas estas manifestações em um quadro único da brutalidade policial e da exploração capitalista; que sabe aproveitar o menor acontecimento para expor ante todos suas convicções socialistas e suas reivindicações democráticas, para explicar a todos e a cada um a importância histórica universal da luta emancipadora do proletariado".
É uma antiga discussão se os trabalhadores não podem chegar aos ideais socialistas sem a ajuda dos intelectuais burgueses, e esse texto de Lênin leva a essa conclusão, embora a tese não apareça em nenhum outro texto seu. O PT, nascido da união de sindicalistas com intelectuais paulistas, sempre viveu essa dicotomia interna, espelhada nas diversas facções em que se divide. Na época em que escreveu "O que fazer?", Lênin combatia a tese, difundida entre os socialistas, de que bastavam as reivindicações econômicas para dar aos trabalhadores consciência de classe.
O sociólogo Francisco Oliveira, professor da USP e um dos fundadores do PT, hoje um dissidente fervoroso do governo Lula, foi o primeiro a registrar que a elite do sindicalismo passou a constituir uma nova classe social no Brasil ao ocupar posições nos conselhos de administração dos principais fundos de pensão das estatais e do BNDES. Só a Previ tem mais de 200 cargos nos conselhos das maiores empresas do país. Os sindicalistas ocupam vários cargos importantes nos Estados, como as Delegacias Regionais do Trabalho. O presidente do Serviço Brasileiro de Apoio à Micro e Pequena Empresa (Sebrae) é Paulo Okamoto, que foi diretor do Sindicato dos Metalúrgicos do ABC e é tão amigo de Lula que é quem faz seu imposto de renda.
Jair Meneguelli , que presidiu o sindicato, é desde o início do governo Lula, presidente do Serviço Social da Indústria (Sesi), que tem orçamento anual de cerca de R$ 900 milhões. O cargo é tão bom que Meneguelli abriu mão de seu mandato de deputado federal — que deveria ter assumido como suplente — para continuar nele, com um salário estimado em R$ 30 mil. Na república petista, o festival de nomeações de sindicalistas para diretorias e conselhos de estatais, como Banco do Brasil, Petrobras, Itaipu, Chesf, tem o mesmo teor das nomeações fisiológicas em outras administrações, tão denunciadas pelo próprio PT. Com os escândalos, muitos desses empregos foram desativados.
Essa verdadeira "república sindicalista" foi sendo moldada à medida que decisões ampliaram o espaço de atuação e revitalizaram as finanças do sistema sindical brasileiro. O governo autorizou, por exemplo, os sindicatos a criar cooperativas de créditos que poderão funcionar como bancos. Além disso, permitiu-lhes instituir, na reforma da Previdência, planos de previdência complementar. Como as regras só permitem planos de previdência fechados, os sindicatos não terão muita concorrência privada. Uma medida em especial reforçou o poder de fogo das centrais sindicais: a autorização para que empréstimos sejam dados com desconto na folha de pagamento, com a intermediação dos sindicatos, o famoso crédito consignado que está no centro das acusações de beneficiamento do banco BMG, um dos que financiou a farra do lobista Marcos Valério.
Não apenas o Land Rover de Silvinho Pereira, mas os ternos bem cortados de Delúbio Soares e os charutos Cohiba, que passaram a ser símbolo de status na "república sindicalista" de Lula, da mesma maneira que o uísque Logan ou a gravata Hermes identificavam os componentes da "República de Alagoas" de Collor, têm uma explicação histórica de Lênin: "É comum a crença de que a classe trabalhadora tende ao socialismo. E isso pode ser verdade no sentido em que a teoria socialista revela as causas da miséria dos trabalhadores. No entanto, a força com que a ideologia burguesa se impõe sobre a classe é ainda maior".
Entrevista:O Estado inteligente
- Índice atual:www.indicedeartigosetc.blogspot.com.br/
- INDICE ANTERIOR a Setembro 28, 2008
Assinar:
Postar comentários (Atom)
Arquivo do blog
-
▼
2005
(4606)
-
▼
julho
(532)
- Do foguetório ao velório Por Reinaldo Azevedo
- FHC diz que Lula virou a casaca
- DORA KRAMER A prateleira do pefelê
- Alberto Tamer Alca nunca existiu nem vai existir
- Editorial de O Estado de S Paulo Ética do compadrio
- LUÍS NASSIF A conta de R$ 3.000
- As elites e a sonegação JOSÉ ALEXANDRE SCHEINKMAN
- Lula se tornou menor que a crise, diz Serra
- JANIO DE FREITAS A crise das ambições
- ANTÔNIO ERMÍRIO DE MORAES Responsabilidade e amor ...
- ELIANE CANTANHÊDE É hora de racionalidade
- CLÓVIS ROSSI Não é que era verdade?
- Editorial de A Folha de S Paulo DESENCANTO POLÍTICO
- FERREIRA GULLAR:Qual o desfecho?
- Editorial de O Globo Lição para o PT
- JOÃO UBALDO RIBEIRO Não é por aí
- Miriam Leitão :Hora de explicar
- Merval Pereira Última instância e O imponderável
- AUGUSTO NUNES :A animada turnê do candidato
- Corrupção incessante atormenta a América Latina po...
- Blog Noblat Para administrar uma fortuna
- Diogo Mainardi Quero derrubar Lula
- Tales Alvarenga Erro tático
- Roberto Pompeu de Toledo Leoa de um lado, gata dis...
- Claudio de Moura Castro Educação baseada em evidência
- Dirceu volta para o centro da crise da Veja
- Ajudante de Dirceu estava autorizado a sacar no Ru...
- Até agora, só Roberto Jefferson disse a verdade VEJA
- O isolamento do presidente VEJA
- VEJA A crise incomoda, mas a economia está forte
- veja Novas suspeitas sobre Delúbio Soares
- VEJA -A Petrobras mentiu
- Editorial de O Estado de S Paulo A conspiração dos...
- DORA KRAMER O não dito pelo mal dito
- FERNANDO GABEIRA Notas de um pianista no Titanic
- Economia vulnerável GESNER OLIVEIRA
- FERNANDO RODRIGUES O acordão
- CLÓVIS ROSSI A pizza é inevitável
- Editorial de A Folha de S Paulo A SUPER-RECEITA
- Editorial de A Folha de S Paulo O PARTIDO DA ECONOMIA
- Zuenir Ventura O risco do cambalacho
- Miriam Leitão :Blindada ou não?
- A ordem é cobrar os cobradores
- Mas, apesar disso, o PSDB e o PFL continuam queren...
- Em defesa do PT Cesar Maia, O Globo
- Senhor presidente João Mellão Neto
- Editorial de O Estado de S Paulo 'Novo fiasco dipl...
- Editorial de O Estado de S Paulo 'Erros', fatos e ...
- DORA KRAMER Um leve aroma de orégano no ar
- Lucia Hippolito :À espera do depoimento de José Di...
- LUÍS NASSIF Uma máquina de instabilidade
- ELIANE CANTANHÊDE Metralhadora giratória
- CLÓVIS ROSSI Socorro, Cherie
- Editorial de A Folha de S Paulo SINAIS DE "ACORDÃO"
- Editorial do JB Desculpas necessárias
- Villas-Bôas Corrêa A ladainha dos servidores da pá...
- Editorial de O Globo Acordo do bem
- Miriam Leitão :Apesar da crise
- Luiz Garcia A CPI e os bons modos
- Merval Pereira Torre de Babel
- DILEMA PETISTA por Denis Rosenfield
- Ricardo A. Setti Crise mostra o quanto Lula se ape...
- Um brasileiro com quem Lula preferiu não discutir ...
- Editorial de O Estado de S Paulo Do caixa 2 ao men...
- Que PT é esse? Orlando Fantazzini
- Alberto Tamer China se embaralha para dizer não
- DORA KRAMER Elenco de canastrões
- LUÍS NASSIF Uma questão de tributo
- PAULO NOGUEIRA BATISTA JR. Antídoto contra a mudança
- JANIO DE FREITAS Questão de ordem
- Responsabilidade DENIS LERRER ROSENFIELD
- DEMÉTRIO MAGNOLI A ética de Lula e a nossa
- ELIANE CANTANHÊDE Caminho da roça
- CLÓVIS ROSSI Legalize-se a corrupção
- Editorial de A Folha de S Paulo PRISÃO TARDIA
- Lucia Hippolito :Uma desculpa de Delúbio
- Cora Ronai Não, o meu país não é o dos delúbios...
- Miriam Leitão Dinheiro sujo
- MERVAL PEREIRA Seleção natural
- AUGUSTO NUNES Tucanos pousam no grande pântano
- Villas-Bôas Corrêa- Lula não tem nada com o governo
- José Nêumanne'Rouba, mas lhe dá um bocadinho'
- Entre dois vexames Coluna de Arnaldo Jabor no Jorn...
- Zuenir Ventura Apenas um não
- Editorial de O Estado de S. Paulo As duas unanimid...
- Luiz Weiss O iogurte do senador e a "coisa da Hist...
- Nunca acusei Lula de nada, afirma FHC
- Editorial de O Estado de S Paulo Triste tradição
- Editorial de O Estado de S Paulo Lula sabe o que o...
- A mentira Denis Lerrer Rosenfield
- As duas faces da moeda Alcides Amaral
- LUÍS NASSIF O banqueiro e a CPI
- FERNANDO RODRIGUES Corrupção endêmica
- CLÓVIS ROSSI Os limites do pacto
- Editorial de A Folha de S Paulo O CONTEÚDO DAS CAIXAS
- Editorial de A Folha de S Paulo A CRISE E A ECONOMIA
- DORA KRAMER À imagem e semelhança
- Miriam Leitão :Mulher distraída
- Zuenir Ventura aindo da mala
- Merval Pereira Vários tipos de joio
-
▼
julho
(532)
- Blog do Lampreia
- Caio Blinder
- Adriano Pires
- Democracia Politica e novo reformismo
- Blog do VILLA
- Augusto Nunes
- Reinaldo Azevedo
- Conteudo Livre
- Indice anterior a 4 dezembro de 2005
- Google News
- INDICE ATUALIZADO
- INDICE ATE4 DEZEMBRO 2005
- Blog Noblat
- e-agora
- CLIPPING DE NOTICIAS
- truthout
- BLOG JOSIAS DE SOUZA
Nenhum comentário:
Postar um comentário