O deputado federal Roberto Jefferson começou a explicitar a estratégia que vai adotar para tentar evitar sua cassação ao declarar, no programa do Jô Soares, que não aceita ser julgado pela Câmara do mensalão. Ele tem dito que calcula que cerca de 80 a 100 deputados recebiam o pagamento para apoiar o governo na Câmara, e juntando uma coisa a outra, coloca em xeque a autoridade do conjunto de deputados para julgá-lo por quebra de decoro.
Desqualificar a Câmara pode ser uma estratégia arriscada e até mesmo golpista, mas tudo indica que Jefferson quer aproveitar a súbita popularidade para desmoralizar sua quase certa punição.
Os participantes da Comissão Parlamentar Mista de Inquérito dos Correios tiveram ontem uma reação retardada diante das acusações do deputado Jefferson, que declarou a Jô Soares que alguns dos membros da CPI recebiam mensalão, e, por isso mesmo, fizeram uma inquirição amena com ele. Quando depôs na CPI dos Correios, Roberto Jefferson ameaçou seus membros declarando que fizera o levantamento das prestações de contas de todos que estavam ali, deputados e senadores, e tinha como provar que todas as prestações eram falsas.
O deputado Jorge Bittar, por exemplo, foi ameaçado explicitamente por Jefferson, cujo PTB apoiou sua candidatura a prefeito do Rio no ano passado, a pedido do então chefe da Casa Civil José Dirceu. "Estou lhe aguardando. Vou falar sobre o senhor", disse Jefferson, como se soubesse de segredos da campanha eleitoral que denegririam o deputado petista. Sem que Bittar esboçasse o mínimo gesto de repulsa à ameaça, nem mesmo quando chegou sua hora de questioná-lo. Nesse momento, foi tão cordial que, ao invés de ser acusado de alguma coisa por Jefferson, recebeu dele elogios.
Mais tarde, o jornal O GLOBO mostrou que as declarações de alguns dos membros da CPI eram muito superiores à média de R$ 200 mil denunciada por Roberto Jefferson. Mesmo assim, poucos reagiram às denúncias. Ontem, indignados, pediram que Roberto Jefferson fosse instado a apresentar os nomes dos membros da CPI que, segundo suas denúncias, receberam o mensalão.
O fato é que, desde o momento em que afrontou seus colegas na CPI dos Correios, Roberto Jefferson estava montando sua estratégia de desqualificar seus julgadores. O site "Consultor Jurídico", especializado no assunto, divulgou um estudo segundo o qual "mesmo que perca o mandato parlamentar, julgado politicamente pelos seus pares, o deputado Roberto Jefferson (PTB/RJ) não deverá ser incriminado pela Justiça". Segundo o site, o deputado estaria blindado pelo instituto da imunidade parlamentar, estabelecida pelo artigo 53 da Constituição.
Apenas no caso dos R$ 4 milhões que supostamente teria recebido do publicitário Marcos Valério em nome do PT, para financiamento de campanhas eleitorais, o deputado Roberto Jefferson poderia estar sujeito a punições, por não ter declarado o dinheiro à Justiça Eleitoral. Mas, mesmo assim, há controvérsias, a começar pelo fato de que o PT nega que tenha lhe dado o dinheiro.
Existe uma expectativa na Câmara de que a qualquer momento o deputado Roberto Jefferson poderá aparecer com uma mala de dinheiro para devolvê-lo publicamente ao PT, criando uma situação mais embaraçosa ainda. Roberto Jefferson tem dito, com um ar de ironia, que não distribuiu o dinheiro aos candidatos do PTB, porque o PT não deu recibos da doação. Mas que poderia fazer uma retificação na Justiça Eleitoral se o recibo fosse dado.
Roberto Jefferson, em várias entrevistas, já disse que se sente ameaçado de ser cassado sozinho, pois cada um dos cerca de 100 deputados envolvidos com o mensalão tem pelo menos dois ou três amigos. Caso seja provado que houve realmente o pagamento de mensalão, o deputado Roberto Jefferson não será cassado, pois a representação contra ele pelo presidente do Partido Liberal foi por quebra de decoro ao acusar os deputados do PL e do PP de receberem o mensalão.
Mas, como o julgamento é político, ao lançar a suspeita sobre boa parte da Câmara, Roberto Jefferson está trabalhando com a dúvida: quem pode garantir quantos são os interessados diretos? E os indiretos, por questões de amizade ou outros interesses? Quantos votos serão decisivos para uma condenação? E, apenas para raciocinar, se o deputado Roberto Jefferson for absolvido pelo plenário da Câmara, não terá sido por intimidação?
No regimento interno da Câmara, no capítulo XIII, artigo 180, que trata "das votações", está definido no parágrafo sexto: "Tratando-se de causa própria ou de assunto em que tenha interesse individual, deverá o deputado dar-se por impedido e fazer comunicação nesse sentido à Mesa, sendo seu voto considerado em branco, para efeito de quórum".
Esse artigo poderá ser argüido pelo deputado Roberto Jefferson para tentar invalidar seu julgamento, criando pelo menos uma grande discussão jurídica.
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Mesmo que a teoria da conspiração dos petistas esteja providenciando uma nova versão para a denúncia do golpismo, incluindo agora uma conspiração de empresas multinacionais contra o governo Lula nas licitações das estatais, não é possível deixar de notar que, no mínimo, esse lobista Marcos Valério fazia tráfico de influência dentro da máquina governamental.
E as muitas coincidências que ligam o aumento de seu patrimônio ao começo do governo Lula, que teve início com o aval a um empréstimo do PT, são impressionantes. Só em livros de ficção um enredo desses seria aceitável.
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