Esta coluna deveria estar comemorando. Já faz tempo, desde o começo dessa crise, que vem cobrando do presidente da República uma entrevista. Diante da suspeita de que o presidente sabia do esquema de corrupção, crime eleitoral e tráfico de influência armado para pagar dívidas de campanha, votos da base aliada do governo e até a construção da nova sede do PT, nada mais democrático, republicano, transparente que ele viesse a público contar a sua versão. No domingo, finalmente, isso aconteceu. O presidente apareceu no "Fantástico" divagando, em Paris, sobre a crise em que seu governo se atola. Mas, sinto muito, não dá para comemorar. Essa não valeu, presidente. Vamos tentar outra vez.
Que entrevista foi aquela? Toda a imprensa brasileira estava em Paris na sexta-feira em que o presidente, seguindo um impulso que vem acometendo petistas de todas as categorias — Delúbio, o tesoureiro falou; Valério, o publicitário, que não é petista, mas é simpatizante (e bota simpatizante nisso), falou, Gushiken falou — resolveu falar também. Poderia ter convocado uma entrevista coletiva. Poderia ter oferecido uma exclusiva para qualquer veículo que estava lá. Mas o presidente escolheu a jovem Melissa Monteiro, repórter free-lancer que trabalha numa produtora de televisão francesa! Por quê? Fica difícil não acreditar que foi tudo uma armação, uma entrevista combinada, uma entrevista em que o entrevistador seria aconselhado previamente a não questionar o entrevistado quando a repórter, diante de um presidente da República que vive a maior crise que um governo já viveu nos últimos dez anos, pergunta candidamente: "Há males que vêm para bem?" Fala sério, isso é pergunta que se faça a Lula neste momento?
A repórter mostrou-se tão despreparada que, numa mesma pergunta, tratou Lula por você, Vossa Excelência e senhor. A coisa toda era tão amadora que, a certa altura, viu-se a imagem da jovem Melissa operando a filmadora. Tudo indica que ela era, ao mesmo tempo, a repórter, a produtora, a operadora da câmera e o "caboman". Vai ver que foi por isso que titubeava tanto no tratamento. A produtora chamava o presidente de você, a repórter de senhor, a operadora da câmera de Vossa Excelência e o caboman... Bem, o caboman ficou calado porque não havia mais formas de tratamento para utilizar.
Como esta imagem, a da jovem Melissa operando a filmadora, foi tomada tornou-se uma pergunta que não quer calar. Quem filmou Melissa filmando?
Apesar do ambiente favorável ao entrevistado, o presidente acabou escorregando. É natural. Essa crise tem muitas cascas de banana espalhadas por aí. E o presidente bobeou ao dizer que "o que o PT fez, do ponto de vista eleitoral, é o que é feito no Brasil sistematicamente". A jovem Melissa deve ter se impressionado com a informação. Ela não perguntou nada que levasse Lula a dizer tamanha bobagem. Afinal, ele foi eleito exatamente para não fazer o que é feito no Brasil sistematicamente. Se fosse para isso, a população teria eleito o candidato do PSDB, que já estava no poder há oito anos, governando sistematicamente.
Como Delúbio, Valério e Gushiken, Lula vendeu o peixe de que o governo não tem nada a ver com o PT. A crise é no PT, não no governo. As denúncias de corrupção são contra o PT, não contra o governo. Lula nem sabe o que acontece no PT. Tudo bem, mas, se é assim, por que cargas d'água, ao primeiro sinal de que havia o mensalão, antes mesmo de o partido afastar o tesoureiro, antes de Genuino deixar a presidência do PT, o primeiro político a cair em desgraça foi o deputado José Dirceu, afastado da chefia da Casa Civil do governo? Se o governo não tem nada a ver com isso, por que Lula aceitou que seu homem de confiança deixasse o poder? Se o governo não tem nada a ver com isso, por que a primeira vítima da crise foi justamente um homem do governo?
Ah, o presidente continua devendo uma entrevista. Mas uma entrevista de verdade.
Nenhum comentário:
Postar um comentário