O Globo
Provavelmente já enchi a paciência de vocês, que, aliás, deviam escolher melhor suas leituras, com minha perplexidade, diria mesmo obtusidade, diante das alegações de que há um esquema da direita (cartas sobre como ninguém mais sabe o que é isso para o editor, por caridade) para alijar do poder o presidente Lula e, simultaneamente, arruinar o projeto de um Brasil socialista, igualitário e democrático, ora em andamento. Pessoalmente, vou dizer de novo, não admito a idéia de "fora, Lula", que considero irresponsável, inconseqüente, leviana e estúpida. Mas quem me lê sabe o que tenho falado do governo e, acho eu que com menor ênfase, do presidente. Isso me incomodava, porque assim eu fazia parte da conspiração — e a parte do besta, pois nenhum dos conspiradores jamais sequer me deu a ousadia de passar instruções. Não era necessário, era tudo construído num nível que se dispensa de dar maiores satisfações ao baixíssimo clero, como a maioria de nós, inclusive eu.
Mas não sou tão burro assim apesar de nunca me sair da memória a observação de professora Madalena, sempre relembrada por meu finado amigo Luiz Cuiúba, de que eu tinha um problema na idéia. Bem, reconheço que devo ter um problema na idéia, d. Madalena era experientíssima, fazia julgamentos fundados. Não obstante, depois de algum esforço e a ajuda da misericordiosa Providência, entendi finalmente o que se passa no Brasil. Existem claras indicações de que há mesmo uma conspiração da direita para derrubar o governo e instituir uma ditadura entre nós, das mais brabas.
Claro, só pode ser. As denúncias sobre o comportamento dos deputados tornam quase insignificante o que já se falava deles, quanto a trabalho, vantagens financeiras e semelhantes, a maioria das quais inconcebível num país decente, mas aqui tidas por eles e, infelizmente, por muitos de nós, como absolutamente naturais. Os representantes do povo, alegadamente, se vendiam e, além de tudo, atrapalhando a governabilidade do país, obrigaram o PT a envolver-se em práticas que (alegadamente, é tudo aqui alegadamente; se ameaçarem processo, retiro tudo, sou da paz, mermão) sempre condenou e que (alegadamente) engendraram um novelo infindável de falcatruas, ladroagens, traição e quase tudo o que de ruim pode estar contido na natureza humana.
Não adianta mostrar que os parlamentares são brasileiros como nós, oriundos do mesmo meio e plasmados pela mesma cultura. Eles e os demais políticos viraram uma "classe" à parte, da qual só se espera o pior, composta, na opinião generalizada, de canalhas, larápios, mentirosos, oportunistas e picaretas (este último copyright do presidente). Portanto, não precisamos de um Congresso, ele não serve para nada, antes pelo contrário, é um estorvo acintosamente insuportável. Livremo-nos do Congresso, é a conclusão lógica.
O Poder Judiciário não desfruta do que se possa chamar de boa imagem pública. Errado como possa estar, o povo não tem respeito pela Justiça, não confia nela nem nos magistrados. Estes freqüentemente põem a culpa de tudo nas leis que são obrigados a aplicar. Claro que não é tanto assim. A verdade é que, com razão ou não, o juiz é visto por muitos como venal, preguiçoso, privilegiado e ineficiente, dente numa engrenagem diabólica e enredada, de assombrosa lentidão e ineficácia. Há muito o que fazer para melhorar a imagem do Judiciário, a começar pela melhora do Judiciário. Por conseguinte, pelo menos por enquanto, não precisamos de um Judiciário independente, fica para mais tarde, vamos tomar providências mais expeditas, porque o tempo urge.
Na Presidência, ao que tudo indica, temos um homem indeciso e com dificuldade em tomar iniciativas. Neste tempo de governo, se caracterizou como um ausente, a começar do próprio serviço, pois ele não assumiu nunca sua condição de comandante da administração pública. E hoje tem que se acreditar que ele era ainda mais ausente do que fisicamente, ou seja, deixava o governar para outros enquanto ficava com o desfrutar (o que ele faz não deixa de ser trabalho, mas não o único e nem de longe o mais importante, é apenas o que ele se acostumou a fazer, curte fazer e ainda mais agora, com mordomia — portanto é desfrutar). Pois ou se acredita nisso e se crê também que, apesar de sua experiência de luta sindical, ele é ingênuo e destituído de malícia, a ponto de não ter notado o que acontecia, não debaixo de seu nariz, pois este o acompanha em suas viagens, mas dentro de seu suposto raio de ação como presidente, ou se acredita, tesconjuro, que sabia de tudo.
Assim, não precisaríamos também do presidente Lula e, portanto, estaria o caminho aberto para a assunção do poder por um ditador forte e autoritário, em que a direita pudesse realmente confiar. E que faz a imprensa, numa hora destas? Em vez de calar a boca diante da escroqueria que parece (alegadamente) haver sido exercitada por tanta gente importante no poder ou a ele ligada intimamente — a tal ponto que conseguiram pôr até Deus como suspeito de receber dizimão ou participar de algum esquema de lavagem de dinheiro — fica jogando lenha na fogueira. Que querem, querem que se instalem a anarquia e a desordem a tal ponto que um governo de operários legitimamente eleito e agindo como tal, de acordo não necessariamente com o que vemos mas com o que ele diz, acabe sendo derrubado somente porque, a cada desdobrar das aparentemente inesgotáveis trambicagens, há novas denúncias? Pelo visto, mandam o patriotismo e a boa consciência política que não toquemos mais nesses assuntos destrutivos. Já prometeram providências e cumprirão as promessas, como cumprem todas. Se cada um de nós fizer sua parte, tudo dará certo. A corrupção não acabará, mas em compensação o governo continuará firmemente estável.
Entrevista:O Estado inteligente
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