ELIANE CANTANHÊDE A engenharia da crise

folha de s paulo

 BRASÍLIA - No dia 9 de julho de 2003, sete meses depois da posse de Lula, eu e um colega da Folha almoçamos com a cúpula do PTB. Roberto Jefferson chegou atrasado, quase na sobremesa, saindo de uma reunião de líderes governistas no Congresso. Estava irritado e disse algo assim:
"Esses caras [do PT] precisam da gente, mas não querem ouvir, discutir e acham que compram todo mundo. No fundo, têm nojo da gente".
Está aí a chave para entender os atuais escândalos, que chegam a um limite insuportável. Para o PT, o mundo é dividido em puros (eles próprios) e impuros (todos os demais) e é só comprar os impuros. Que, aliás, não estão apenas no Congresso.
É um erro irreparável, porque:
1 - Há impuros que só pensam em dinheiro, mas nem todos. Uns querem dividir o poder, os cargos e as emendas; outros insistem em participar das decisões; e há, ainda, os que exigem tudo isso ao mesmo tempo.
2 - Para comprar os impuros, é preciso dinheiro. Como eles são tantos e estão em todas as partes, só montando uma verdadeira máquina de fazer dinheiro. É aí que entra o agora famoso Marcos Valério, que faz e desfaz empresas, tem contratos do arco-da-velha com o governo, viaja por aí com malas cheias de notas e freqüenta palácios.
O fio da meada foi o "mensalão" para políticos, mas Valério fez depósitos de R$ 900 mil para um procurador e não será surpresa se surgirem fiscais, juízes e jornalistas no meio. Pagar por serviços é normal. Comprar consciências é bem diferente.
Os empréstimos bancários para o PT e as pilhas de dinheiro na mala e na cueca de um assessor de um deputado petista, irmão de Genoino, são peças que vão se encaixando. Antes, ouvia-se falar em "malas pretas". Agora, têm-se até fotos delas.
Não bastasse, o discurso Lula na posse dos ministros do PMDB, falando de cáries, pinga e sexo, deixou uma sensação perturbadora no ar. Foi, literalmente, de dar dó. Um mar de lama, um oceano de tristeza.