Entrevista:O Estado inteligente

sábado, julho 23, 2005

Editorial do JB O preço da soberba


O Partido dos Trabalhadores afunda num pântano repleto de escabrosas denúncias capazes de esfacelar o patrimônio ético construído em 25 anos. O governo se desmancha politicamente numa longa e tenebrosa agonia em praça pública. Números e nomes revelados nas investigações em Brasília sugerem um notável esforço de humildade para reconhecer os sucessivos equívocos éticos e morais cometidos até aqui. Mesmo somadas tais ruínas - do PT, do governo e de aliados até pouco tempo imaculados -, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva segue reafirmando sua compulsiva inclinação para discursos enfaticamente desconectados da realidade. Um autismo preocupante, inevitavelmente tisnado por desconcertantes disparates e em geral balizado pela reincidente preservação de uma versão nacional do mito do homem providencial.

O novo exercício retórico revelou-se no discurso de Lula na sexta-feira. ''Nesse país de 180 milhões de habitantes, não tem mulher nem homem que tenha coragem de me dar lição de ética, de moral e de honestidade'', afirmou o presidente. ''Está para nascer alguém que venha querer me dar lição de ética''. Ao pretender-se acima do bem e do mal, Lula reafirma a empáfia petista que a atual crise política vem ajudando a enterrar. Insiste num pecado capital, cuja penitência tem sido paga pela ruína de alguns dos principais morubixabas do partido. Desde que as primeiras denúncias começaram a jorrar sobre as contas do PT, caíram o chefe da Casa Civil, José Dirceu, o presidente do partido, José Genoino, o tesoureiro, Delúbio Soares, o secretário-geral, Silvio Pereira, e o líder na Câmara, Paulo Rocha. Outros se encontram à beira do julgamento público, enquanto evitam explicar atos suspeitíssimos.

Políticos costumam sentir-se conduzidos por predicativos superiores. Avançam os limites da sensatez quando se consideram ungidos pela Providência, certos de que o destino os escolheu para retomar a cruzada de antigos heróis e acabar com sofrimentos ancestrais. Em certos momentos, Luiz Inácio Lula da Silva cede a tais impulsos. Foi o caso de outro trecho do mesmo discurso de sexta-feira: ''Sou filho de pai e mãe analfabetos. Conquistei o direito de andar de cabeça erguida nesse país e não vai ser a elite brasileira que vai fazer eu baixar minha cabeça'', pontuou o presidente. Contribui para a fantasia sua biografia, do nascimento no sertão nordestino (a terra mítica onde Euclides da Cunha identificou ''o cerne vigoroso da nossa nacionalidade'') ao obstinado esforço para chegar à Presidência da República. Lula habituou-se à idéia de que, para milhões de brasileiros, é ''um de nós que chegou lá''.

Ao relembrar suas origens como forma de proteger-se de eventuais passos erráticos revelados no exercício do poder, Lula se vale implicitamente de crenças messiânicas ainda arraigadas no país. Inclui-se como o presidente dos desvalidos, dos injustiçados. Trata-se de um fenômeno que remete aos reis taumaturgos, da Idade Média, cuja legitimidade estava na capacidade de operar milagres. Somente o ungido poderia redimir os pobres. Não é preciso sublinhar o tamanho do erro. A gravidade das denúncias existentes sobre o PT e as interrogações abertas pelo silêncio de nomes como Dirceu, João Paulo Cunha e Delúbio requerem menos arrogância ao partido. O presidente Lula fará bem ao PT e ao governo se for o primeiro a descer à planície da sensatez e evitar retóricas messiânicas. Vale-se, é verdade, das pesquisas segundo as quais práticas odiosas como o ''mensalão'' têm sido ignoradas pelos mais carentes. A soberba, porém, não tardará a ser percebida.

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