Entrevista:O Estado inteligente

sábado, julho 23, 2005

AUGUSTO NUNES :Lula vive num Brasil que inventou

JB

AFP Opresidente Lula da Silva estava feliz: recebido na França com pompas e fitas, fora promovido a estadista pelo primeiro-ministro Jacques Chirac. Também o anfitrião esbanjava alegria: conseguira vender ao visitante uma dúzia de aviões a caminho do museu. Tanta felicidade derreteu o escudo de Lula, que decidiu endereçar palavras de consolo à nação açoitada por revelações abjetas e assustada com o tamanho da roubalheira federal.

"O Brasil não merece tudo isso que está acontecendo", lastimou. "Merece coisa muito melhor". Os destinatários acharam o recado muito estranho: não é Lula da Silva o presidente do Brasil? Sim e não. Melhor: é, mas às vezes deixa de sê-lo, porque para Lula há dois Brasis.

Um é o país real, habitado por milhões de inquietos. O outro, inaugurado há dois anos e meio, existe e prospera no mundo venturoso que a imaginação de Lula criou. Na viagem à França, levou junto só o Brasil de fantasia. Estava lá quando consolou o país que o elegeu para viver melhor.

E na contrafação de Pasárgada, que Lula resolveu morar. Dali não sai, mesmo quando se desloca fisicamente pelo Brasil de verdade ou países distantes. Ainda na França, mergulhou voluntariamente no pantanal dos corruptos – com a serenidade do suicida que acabou de escrever a última carta. "O que o PT fez do ponto de vista eleitoral é o que é feito no Brasil sistematicamente", disse.

A declaração, reproduzida domingo passado no programa Fan- tástico, endossou a farsa apelidada de "Operação Paraguai". Além de ter cometido o pecado da mentira, Lula se tornara cúmplice confesso de crime eleitoral. Ele acha que não. O criador do Brasil-Maravilha nada tem a ver com bandalheiras praticadas por dirigentes do partido que abandonou para cuidar de todos.

Só agora o PT soube disso. Também Marisa Letícia ignorava a inesperada deserção. Não faz tanto tempo que a primeira-passageira andou incrementando o jardim do Palácio da Alvorada com estrelas vermelhas formadas por sálvias. Enlevado com pesquisas que reafirmam sua popularidade, Lula desobrigou-se de explicar-se mesmo aos parentes e amigos íntimos.

A discurseira da semana comprovou a progressiva e preocupante alienação do presidente. Em Taubaté, depois de incensar o próprio governo ("o melhor da nossa História"), repreendeu os fracassomaníacos: "É preciso de uma vez por todas acabar com o pessimismo". Nenhuma palavra sobre o lamaçal dos mensalões, da roubalheira sistêmica, do aparelhamento da máquina do Estado, das malas de dinheiros, dos Silvinhos, Delúbios, Valérios ou Dirceus, dos banqueiros espertos, dos juros de agiota. Nenhuma vírgula sobre a crise vulcânica. Tudo vai bem em Pasárgada.

No Recife, preparou a platéia para o improviso: "Melhor falar do que dizer bobagem", argumentou. (Muito pior é falar e fazer.) De novo, alfinetou Fernando Henrique. "Governar independe da quantidade de escolaridade e formação acadêmica, dependendo muito mais do caráter e da inteligência", viajou.

O epílogo levou-o ao céu. Deus não faz nada que não seja preciso fazer", declamou o pregador. Não existe lama no Brasil de Lula. A bandalheira é coisa nossa. Que Deus nos acuda.

Sucatinhas com sotaque Imagem

O Brasil é um compulsivo importador de antiguidades com sotaque francês. Primeiro foram as veteranas coristas que viravam debutantes aos olhos dos coronéis dos cabarés. Há pouco tempo, o governo FH comprou um portaaviões que ancorou nas águas tropicais já com cara de naufrágio. Na semana passada, o atual governo presentou a Aeronáutica com uma esquadrilha em frangalhos.

São 12 MirageC, bisavós da nova geração. Por essa dúzia de velharias, o Brasil pagou cerca de R$ 171 milhões – pouco mais que o Aerolula. O problema está na idade dos aviões. Depois de sobrevoar moderníssimos aparelhos produzidos nos EUA, na Rússia, na Inglaterra, na Suécia e na França, o projeto de renovação dos equipamentos da FAB pousou no hangar dos sucatinhas. De longe, até impressionam. De perto, lembram teco-tecos de fraque.

Um choque sem voltagem

O "choque de gestão" anunciado pela ministra Dilma Rousseff registrou uma raquítica voltagem. O melhor momento foi a exibição da cabeçorra do mamute federal: são 21.197 os cargos de confiança, todos ocupados por gente liberada de concursos pelo prestígio dos padrinhos. A chefe da Casa Civil informou que 70% da tropa agora será formada por funcionários de carreira. Quase 8.000 empregos não mudarão de dono. E o mamute continuará com o mesmo tamanho.

Eis aí um choque de araque, sobretudo porque só serão substituídos por servidores concursados os companheiros incrustados na quarta divisão – assessores do chefe do gabinete do secretário especial, por exemplo. Uma reforma séria reduziria os cargos de confiança a menos de 1.000, como ocorre em nações civilizadas. O resto é gordura a eliminar cirurgicamente.

Um troféu para três

Aloizio Mercadante resumiu em sete palavras sua alegria com a escolha de Ibrahim Abi-Ackel, do PP mineiro, para o posto de relator da CPI do Mensalão:

"É um deputado acima de qualquer suspeita."

O senador tem poderes mediúnicos: acaba de psicografar o presidente desencarnado João Figueiredo, que usou essa frase ao promover Abi-Ackel ministro da Justiça. A taça vai para os três.

O Cabôco gostou da discurseira de Ciro Gomes em Fortaleza: "Que nós temos de perseguir a safadeza, punir etc., vamos lá. queime no rabo de quem tiver de queimar, mas não vamos generalizar, porque senão os progressistas do Brasil de verdade vão estar fazendo um serviço para uma direita que chafurdou na lama." Só quer saber quem é bandido e quem é mocinho nesse filme do ministro.

Nem sempre o legal é legítimo

Agência Senado/ABr/ABr
Premiados pelo habeas-corpus preventivo, Valério, Delúbio e Sílvio puderam mentir sem riscos

Avoz grave do deputado Ulysses Guimarães, endossada pela cara de faraó, popularizou uma frase que, repetida por milhares de gargantas, transformou- se no 11º mandamento da política: "Decisão do Supremo se cumpre, não se discute". O doutor Ulysses foi um sábio. Mas sábio também diz bobagem.

A frase deve estacionar na vírgula e promovê-la a ponto. Decisões emanadas do Supremo Tribunal Federal devem ser cumpridas. Certo – até porque não existe, no Poder Judiciário, alguma instância superior à espera de recursos. Mas podem e devem ser discutidas, sim. Ministros do STF não são deuses. E a toga não faz de nenhum luminar do Supremo versão brasileira de César.

A frase reiterada por Ulysses Guimarães faria algum sentido nos tempos em que o STF só abria as portas a expoentes da elite jurídica do país – gente como Nelson Hungria ou Pontes de Miranda. Dois critérios orientavam o preenchimento de vagas: notório saber e reputação ilibada. A esses quesitos juntouse há anos um terceiro critério: mesmo o melhor dos juristas só será ministro se o presidente da República quiser. Isso não melhorou o Supremo.

Ministros têm errado com freqüência, pouco importa se deliberadamente ou não. Os equívocos costumam amparar- se em normas legais que o tempo ou as circunstâncias tornaram ilegítimas. Foi um erro libertar o banqueirobandido Cacciolla, que ainda na calçada da cadeia começou a tramar a fuga para a Itália. É mais que um erro a concessão de habeas-corpus preventivo a intimados por CPIs: é também uma bofetada no Congresso e no Brasil.

A Constituição concede ao acusado o direito de silenciar para não se incriminar? A sensatez, mãe das regras constitucionais convida o STF a lembrar, antes de decidir, que lhe cumpre sobretudo garantir a prevalência da verdade sobre a mentira, da decência sobre o crime.

Blindados pelo habeas-corpus preventivo, que autoriza rematados pilantras a mentir sem riscos, Marcos Valério, Delúbio Soares e Sílvio Pereira zombaram da CPI dos Correios. Confrontados com perguntas perigosas, mentiram descaradamente ou invocaram o direito ao silêncio. Em poucas horas, outras provas e evidências desabaram sobre o trio. E provocaram arranhões na imagem do Supremo Tribunal Federal.

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