Entrevista:O Estado inteligente

sexta-feira, julho 15, 2005

editorial de o Estado de S Paulo Um brasileiro em Paris


O respeitado jornal Le Monde recebeu o presidente Lula em Paris, na quarta-feira, com um texto onde se lê que “o campeão da luta contra a fome no mundo chega à França no momento em que seu prestígio foi abalado em seu próprio país”. Equivocou-se, como sabem os brasileiros que tomaram conhecimento da mais recente pesquisa sobre a popularidade do presidente: 60% dos entrevistados o aprovam e apenas 12% o vinculam às denúncias de corrupção. No entanto, mesmo que o austero vespertino esquerdista estivesse certo, parece haver um país no mundo onde, chova ou faça sol, o prestígio de “Lulá” segue inabalado. Este país, naturalmente, é a própria França. Foi decerto pensando nos franceses que o Le Figaro, o principal jornal conservador do país, escreveu ontem que o ex-presidente Fernando Henrique “não engole (sic) o sucesso de Lula no cenário internacional”.

Há uma simbiose entre a simpatia ou mesmo o encantamento que o Brasil inspira na França – não só ali, é bem verdade, mas os franceses em geral não são de transpirar calor por outras nações – e a figura do presidente brasileiro. Por sua trajetória, mas também por seu extraordinário carisma e por sua afetividade tão… brasileira.

Pode não surpreender que o prefeito socialista de Paris, Bertrand Delanoë, diga de um só fôlego que “o Brasil está no coração dos parisienses por sua música, seu teatro, seu futebol e suas cores” e que “o camarada Lula é um símbolo no Brasil e no mundo para todos os que querem que a miséria recue”. Mas é sintomático que o presidente do Conselho Econômico e Social da França, Jacques Demargne, muitos furos à direita de Delanoë, tampouco tenha se segurado. “O senhor é um símbolo mundial de um grande combatente por um mundo melhor”, entoou. “Obrigado por ser esse símbolo.”

E que dizer do comportamento da multidão – de 50 mil pessoas para mais – que se comprimiu na Praça da Bastilha, um dos pontos obrigatórios de toda manifestação que se preze na capital francesa, anteontem à noite. O motivo era o megashow de música brasileira que fazia parte da miríade de comemorações do Ano do Brasil na França. (Ontem, bandeiras brasileiras e francesas enfeitavam o extenso corredor de árvores da Avenida Champs-Elysées, para a celebração da Data Nacional francesa, e aviões da FAB sobrevoaram o Arco do Triunfo, sob os olhares do presidente Jacques Chirac e do seu convidado de honra brasileiro.) Mas o que não se esperava na Bastilha, principalmente depois de todos os jornais do dia falarem da corrupção no Planalto, foram os aplausos entusiásticos com que o público saudou Lula, quando subiu ao palco, chamado pelo animador do evento, o ministro Gilberto Gil.

A singularidade que Lula encarna – o seu permanente desafio – foi destacada com a costumeira argúcia pelo sociólogo Alain Touraine, um dos dois brasilianistas por excelência da França (o outro é o maior antropólogo vivo, Claude Lévy-Strauss). Amigo pessoal de longa data do colega Fernando Henrique e tão contido quanto expansivo é o prefeito Delanoë, Touraine observou que “o Brasil é o único país cujo presidente pode ir a Porto Alegre (a capital do Fórum Social Mundial inimigo da globalização) e a Davos (a sede do Fórum Econômico Mundial que exalta a globalização)”. De fato, o presidente tem, na percepção estrangeira, um patrimônio definitivamente incomum. E que o noticiário dos escândalos que assombram o seu governo não deve tisnar – desde que o epicentro da crise não se desloque do PT Planalto acima. Isso, além das conseqüências de que por ora não convém falar, seria letal para o partido.

A sua sorte depende do seu líder estelar – e não o contrário. Depende também, obviamente, de como se desincumbir no seu comando o interventor designado pelo presidente, o ainda ministro da Educação Tarso Genro. Coragem e dignidade pelo menos ele vem demonstrando. Não é fácil confessar, como ele fez em Paris, que “a crise do PT é de fundamentos, de princípios. Nós dilapidamos nosso capital moral perante a sociedade”. Quantos políticos, de quaisquer legendas, ousariam tanto? Quem acompanhou os modos e meios empregados pelo ministro José Dirceu durante o seu reinado no governo só pode considerar igualmente auspiciosa a defesa de Genro da separação entre partido e Estado, cujas relações, sustenta, “devem ser formais e transparentes”. Que Lula não o desminta. Pois, como ele mesmo disse ontem, “o Brasil não merece o que está acontecendo”.

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