folha de s paulo
Os economistas, mesmo os mais sofisticados, têm uma atração fatal por regras simples. Se fosse possível guiar-se por elas, seria uma maravilha. Infelizmente, essas regras costumam revelar-se ineficazes ou insustentáveis.
O mais recente exemplo dessa atração é a proposta apresentada pelo deputado Delfim Netto. Trata-se de um economista de grande experiência e inegáveis méritos. Desde os tempos de Fernando Henrique Cardoso, tem sido um dos críticos mais argutos da ortodoxia de galinheiro que comanda a política econômica.
Bem. Agora parece que resolveu entregar os pontos. Quer produzir, via emenda constitucional, uma espécie de choque de credibilidade fiscal e alcançar, assim, uma rápida redução da taxa de juro. A sua proposta é, na realidade, uma versão radicalizada da política econômica atual.
Desde o início do governo Lula, os economistas da equipe do ministro Palocci recorrem a argumentos semelhantes para justificar o aumento do superávit primário nas contas públicas. A confiança gerada pelo superávit primário e por reformas fundamentais como a da Previdência Social, diziam eles, permitiria a diminuição das taxas de juro. O superávit primário aumentou, saiu a reforma da Previdência, mas as taxas de juro continuaram na estratosfera...
"Aumentem a dose", recomenda o ex-ministro Delfim. Uma emenda constitucional estabeleceria a eliminação até 2009 do déficit nominal do setor público, que corresponde à diferença entre a despesa líquida de juros e o superávit primário. Em outras palavras: o setor público teria que gerar um superávit primário pelo menos igual à conta de juros. A aprovação dessa emenda constitucional despertaria tal credibilidade que surgiria "instantaneamente uma expectativa de baixa do juro real", garante Delfim. A diminuição dos juros reativaria a economia e permitiria zerar o déficit com níveis suportáveis de superávit primário, não muito mais altos do que os atuais.
Ovo de Colombo? Não me parece. Do ponto de vista macroeconômico, não é recomendável impor uma regra que retira flexibilidade da política fiscal. A economia está sempre sujeita a choques e eventos inesperados. Em determinadas circunstâncias, um déficit nas contas públicas pode ser inevitável e até recomendável.
É o que acontece, por exemplo, se prevalece uma tendência recessiva. Nesse caso, o déficit fiscal tende a aumentar automaticamente, seja porque as receitas tributárias diminuem, seja porque aumentam certas despesas públicas, como a assistência a trabalhadores desempregados. E é bom que assim seja, pois essas variações de receita e despesa amortecem a recessão (são os chamados estabilizadores automáticos).
Freqüentemente, os governos reforçam os estabilizadores automáticos com a adoção de políticas fiscais deliberadamente expansionistas, de caráter "anticíclico" ou anti-recessivo, envolvendo diminuição de impostos e/ou aumentos de investimentos e outros gastos do governo. No Japão, cuja economia atravessou grave crise recessiva, o déficit público do governo geral (exclusive transações da seguridade social) tem oscilado entre 6% e 8% do PIB desde 1999. Nos EUA, a recessão do início do governo Bush foi enfrentada, em parte, com um rápido aumento do déficit público, que alcançou (no mesmo conceito) mais de 4% do PIB.
Não passa pela cabeça dos americanos ou dos japoneses fixar um teto para o déficit público. Quem o faz são os países da zona do euro, mas sem o radicalismo sugerido pelo ex-ministro Delfim. Lá o teto para o déficit é 3% do PIB. Mesmo assim, vários países (Alemanha e França, por exemplo) têm se revelado incapazes de respeitá-lo.
Duas observações finais. Primeira: não tem cabimento fixar variáveis de política econômica na Constituição. A Constituição brasileira sempre foi criticada por ser excessivamente detalhista. Ironicamente, muitas das mesmas pessoas que faziam esse tipo de crítica e se insurgiam, com razão, contra a presença de um teto para a taxa de juro no texto constitucional (já eliminado), agora aparecem como entusiastas do déficit zero constitucional...
Segunda observação (de mau gosto, reconheço): na Argentina, o malfadado governo De la Rúa, depois de ter sido seriamente abalado por denúncias de corrupção, foi induzido pelo ministro da Economia, Domingo Cavallo, a radicalizar a política econômica e a comprometer-se com uma meta de déficit zero.
De la Rúa não terminou seu mandato.
Entrevista:O Estado inteligente
- Índice atual:www.indicedeartigosetc.blogspot.com.br/
- INDICE ANTERIOR a Setembro 28, 2008
Assinar:
Postar comentários (Atom)
Arquivo do blog
-
▼
2005
(4606)
-
▼
julho
(532)
- Do foguetório ao velório Por Reinaldo Azevedo
- FHC diz que Lula virou a casaca
- DORA KRAMER A prateleira do pefelê
- Alberto Tamer Alca nunca existiu nem vai existir
- Editorial de O Estado de S Paulo Ética do compadrio
- LUÍS NASSIF A conta de R$ 3.000
- As elites e a sonegação JOSÉ ALEXANDRE SCHEINKMAN
- Lula se tornou menor que a crise, diz Serra
- JANIO DE FREITAS A crise das ambições
- ANTÔNIO ERMÍRIO DE MORAES Responsabilidade e amor ...
- ELIANE CANTANHÊDE É hora de racionalidade
- CLÓVIS ROSSI Não é que era verdade?
- Editorial de A Folha de S Paulo DESENCANTO POLÍTICO
- FERREIRA GULLAR:Qual o desfecho?
- Editorial de O Globo Lição para o PT
- JOÃO UBALDO RIBEIRO Não é por aí
- Miriam Leitão :Hora de explicar
- Merval Pereira Última instância e O imponderável
- AUGUSTO NUNES :A animada turnê do candidato
- Corrupção incessante atormenta a América Latina po...
- Blog Noblat Para administrar uma fortuna
- Diogo Mainardi Quero derrubar Lula
- Tales Alvarenga Erro tático
- Roberto Pompeu de Toledo Leoa de um lado, gata dis...
- Claudio de Moura Castro Educação baseada em evidência
- Dirceu volta para o centro da crise da Veja
- Ajudante de Dirceu estava autorizado a sacar no Ru...
- Até agora, só Roberto Jefferson disse a verdade VEJA
- O isolamento do presidente VEJA
- VEJA A crise incomoda, mas a economia está forte
- veja Novas suspeitas sobre Delúbio Soares
- VEJA -A Petrobras mentiu
- Editorial de O Estado de S Paulo A conspiração dos...
- DORA KRAMER O não dito pelo mal dito
- FERNANDO GABEIRA Notas de um pianista no Titanic
- Economia vulnerável GESNER OLIVEIRA
- FERNANDO RODRIGUES O acordão
- CLÓVIS ROSSI A pizza é inevitável
- Editorial de A Folha de S Paulo A SUPER-RECEITA
- Editorial de A Folha de S Paulo O PARTIDO DA ECONOMIA
- Zuenir Ventura O risco do cambalacho
- Miriam Leitão :Blindada ou não?
- A ordem é cobrar os cobradores
- Mas, apesar disso, o PSDB e o PFL continuam queren...
- Em defesa do PT Cesar Maia, O Globo
- Senhor presidente João Mellão Neto
- Editorial de O Estado de S Paulo 'Novo fiasco dipl...
- Editorial de O Estado de S Paulo 'Erros', fatos e ...
- DORA KRAMER Um leve aroma de orégano no ar
- Lucia Hippolito :À espera do depoimento de José Di...
- LUÍS NASSIF Uma máquina de instabilidade
- ELIANE CANTANHÊDE Metralhadora giratória
- CLÓVIS ROSSI Socorro, Cherie
- Editorial de A Folha de S Paulo SINAIS DE "ACORDÃO"
- Editorial do JB Desculpas necessárias
- Villas-Bôas Corrêa A ladainha dos servidores da pá...
- Editorial de O Globo Acordo do bem
- Miriam Leitão :Apesar da crise
- Luiz Garcia A CPI e os bons modos
- Merval Pereira Torre de Babel
- DILEMA PETISTA por Denis Rosenfield
- Ricardo A. Setti Crise mostra o quanto Lula se ape...
- Um brasileiro com quem Lula preferiu não discutir ...
- Editorial de O Estado de S Paulo Do caixa 2 ao men...
- Que PT é esse? Orlando Fantazzini
- Alberto Tamer China se embaralha para dizer não
- DORA KRAMER Elenco de canastrões
- LUÍS NASSIF Uma questão de tributo
- PAULO NOGUEIRA BATISTA JR. Antídoto contra a mudança
- JANIO DE FREITAS Questão de ordem
- Responsabilidade DENIS LERRER ROSENFIELD
- DEMÉTRIO MAGNOLI A ética de Lula e a nossa
- ELIANE CANTANHÊDE Caminho da roça
- CLÓVIS ROSSI Legalize-se a corrupção
- Editorial de A Folha de S Paulo PRISÃO TARDIA
- Lucia Hippolito :Uma desculpa de Delúbio
- Cora Ronai Não, o meu país não é o dos delúbios...
- Miriam Leitão Dinheiro sujo
- MERVAL PEREIRA Seleção natural
- AUGUSTO NUNES Tucanos pousam no grande pântano
- Villas-Bôas Corrêa- Lula não tem nada com o governo
- José Nêumanne'Rouba, mas lhe dá um bocadinho'
- Entre dois vexames Coluna de Arnaldo Jabor no Jorn...
- Zuenir Ventura Apenas um não
- Editorial de O Estado de S. Paulo As duas unanimid...
- Luiz Weiss O iogurte do senador e a "coisa da Hist...
- Nunca acusei Lula de nada, afirma FHC
- Editorial de O Estado de S Paulo Triste tradição
- Editorial de O Estado de S Paulo Lula sabe o que o...
- A mentira Denis Lerrer Rosenfield
- As duas faces da moeda Alcides Amaral
- LUÍS NASSIF O banqueiro e a CPI
- FERNANDO RODRIGUES Corrupção endêmica
- CLÓVIS ROSSI Os limites do pacto
- Editorial de A Folha de S Paulo O CONTEÚDO DAS CAIXAS
- Editorial de A Folha de S Paulo A CRISE E A ECONOMIA
- DORA KRAMER À imagem e semelhança
- Miriam Leitão :Mulher distraída
- Zuenir Ventura aindo da mala
- Merval Pereira Vários tipos de joio
-
▼
julho
(532)
- Blog do Lampreia
- Caio Blinder
- Adriano Pires
- Democracia Politica e novo reformismo
- Blog do VILLA
- Augusto Nunes
- Reinaldo Azevedo
- Conteudo Livre
- Indice anterior a 4 dezembro de 2005
- Google News
- INDICE ATUALIZADO
- INDICE ATE4 DEZEMBRO 2005
- Blog Noblat
- e-agora
- CLIPPING DE NOTICIAS
- truthout
- BLOG JOSIAS DE SOUZA
Nenhum comentário:
Postar um comentário