Entrevista:O Estado inteligente

quinta-feira, julho 07, 2005

Déficit zero? PAULO NOGUEIRA BATISTA JR.

folha de s paulo

Os economistas, mesmo os mais sofisticados, têm uma atração fatal por regras simples. Se fosse possível guiar-se por elas, seria uma maravilha. Infelizmente, essas regras costumam revelar-se ineficazes ou insustentáveis.
O mais recente exemplo dessa atração é a proposta apresentada pelo deputado Delfim Netto. Trata-se de um economista de grande experiência e inegáveis méritos. Desde os tempos de Fernando Henrique Cardoso, tem sido um dos críticos mais argutos da ortodoxia de galinheiro que comanda a política econômica.
Bem. Agora parece que resolveu entregar os pontos. Quer produzir, via emenda constitucional, uma espécie de choque de credibilidade fiscal e alcançar, assim, uma rápida redução da taxa de juro. A sua proposta é, na realidade, uma versão radicalizada da política econômica atual.
Desde o início do governo Lula, os economistas da equipe do ministro Palocci recorrem a argumentos semelhantes para justificar o aumento do superávit primário nas contas públicas. A confiança gerada pelo superávit primário e por reformas fundamentais como a da Previdência Social, diziam eles, permitiria a diminuição das taxas de juro. O superávit primário aumentou, saiu a reforma da Previdência, mas as taxas de juro continuaram na estratosfera...
"Aumentem a dose", recomenda o ex-ministro Delfim. Uma emenda constitucional estabeleceria a eliminação até 2009 do déficit nominal do setor público, que corresponde à diferença entre a despesa líquida de juros e o superávit primário. Em outras palavras: o setor público teria que gerar um superávit primário pelo menos igual à conta de juros. A aprovação dessa emenda constitucional despertaria tal credibilidade que surgiria "instantaneamente uma expectativa de baixa do juro real", garante Delfim. A diminuição dos juros reativaria a economia e permitiria zerar o déficit com níveis suportáveis de superávit primário, não muito mais altos do que os atuais.
Ovo de Colombo? Não me parece. Do ponto de vista macroeconômico, não é recomendável impor uma regra que retira flexibilidade da política fiscal. A economia está sempre sujeita a choques e eventos inesperados. Em determinadas circunstâncias, um déficit nas contas públicas pode ser inevitável e até recomendável.
É o que acontece, por exemplo, se prevalece uma tendência recessiva. Nesse caso, o déficit fiscal tende a aumentar automaticamente, seja porque as receitas tributárias diminuem, seja porque aumentam certas despesas públicas, como a assistência a trabalhadores desempregados. E é bom que assim seja, pois essas variações de receita e despesa amortecem a recessão (são os chamados estabilizadores automáticos).
Freqüentemente, os governos reforçam os estabilizadores automáticos com a adoção de políticas fiscais deliberadamente expansionistas, de caráter "anticíclico" ou anti-recessivo, envolvendo diminuição de impostos e/ou aumentos de investimentos e outros gastos do governo. No Japão, cuja economia atravessou grave crise recessiva, o déficit público do governo geral (exclusive transações da seguridade social) tem oscilado entre 6% e 8% do PIB desde 1999. Nos EUA, a recessão do início do governo Bush foi enfrentada, em parte, com um rápido aumento do déficit público, que alcançou (no mesmo conceito) mais de 4% do PIB.
Não passa pela cabeça dos americanos ou dos japoneses fixar um teto para o déficit público. Quem o faz são os países da zona do euro, mas sem o radicalismo sugerido pelo ex-ministro Delfim. Lá o teto para o déficit é 3% do PIB. Mesmo assim, vários países (Alemanha e França, por exemplo) têm se revelado incapazes de respeitá-lo.
Duas observações finais. Primeira: não tem cabimento fixar variáveis de política econômica na Constituição. A Constituição brasileira sempre foi criticada por ser excessivamente detalhista. Ironicamente, muitas das mesmas pessoas que faziam esse tipo de crítica e se insurgiam, com razão, contra a presença de um teto para a taxa de juro no texto constitucional (já eliminado), agora aparecem como entusiastas do déficit zero constitucional...
Segunda observação (de mau gosto, reconheço): na Argentina, o malfadado governo De la Rúa, depois de ter sido seriamente abalado por denúncias de corrupção, foi induzido pelo ministro da Economia, Domingo Cavallo, a radicalizar a política econômica e a comprometer-se com uma meta de déficit zero.
De la Rúa não terminou seu mandato.

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