Entrevista:O Estado inteligente

quinta-feira, julho 07, 2005

DEMÉTRIO MAGNOLI Lula e o Plano Delfim

folha de s paulo
 Delfim Netto é o novo guru econômico de Lula. Sua proposta, de déficit nominal zero, circulava sem maior impacto até ser resgatada pelo ministro Palocci, em meio à tempestade de podridão na qual naufraga o governo. Palocci enxergou a idéia como um bote salva-vidas para o presidente: em torno dela fabrica uma nova plataforma de governo e costura uma coalizão de poder substituta.
O governo realiza superávit primário (receitas menos despesas excluído o pagamento de juros) de, no mínimo, 4,25% do PIB. A dívida pública se reduz em termos reais (ou seja, como proporção do PIB), mas há um déficit nominal, pois ela continua a crescer em termos absolutos. Déficit nominal zero é um outro nome para um forte aumento do superávit primário, suficiente para pagar toda a conta de juros e provocar queda mais rápida da dívida pública real. No Plano Delfim, a meta seria atingida pelo corte de despesas de custeio da administração pública e pela diminuição dos investimentos em serviços públicos universais. O plano seria consagrado na Constituição, negando aos eleitores o direito de escolher a política econômica a ser seguida até 2010. A emenda constitucional eliminaria a vinculação obrigatória de recursos orçamentários para a educação e a saúde.
Os articuladores do Plano Delfim prometem como resultado uma queda acelerada da taxa de juros, decorrente do crescimento da confiança dos credores no governo. A promessa é vazia: a dinâmica dos juros depende de vários outros fatores, entre os quais a política monetária dos Estados Unidos. Comentaristas levianos ou interessados mencionam o exemplo da Irlanda, que, há duas décadas, engajou-se com sucesso num plano semelhante. A comparação é impertinente: o plano irlandês foi amparado pela ajuda financeira e pelos mercados abertos da União Européia. No Brasil, a única certeza é que os recursos da educação e da saúde seriam desviados para o mercado financeiro.
O Plano Delfim inscreve-se no campo doutrinário do FMI e do Banco Mundial, que recomenda cortar gastos públicos em serviços universais e implementar políticas sociais focalizadas, mais baratas e com o potencial de gerar clientelas eleitorais. Essa doutrina inspira o governo Lula desde o início. A nova plataforma política significaria apenas uma radicalização do programa conduzido pela dupla Palocci-Meirelles.
A meta de déficit nominal zero proporciona um campo de compromisso entre o hegemônico setor financeiro e o empresariado paulista, que precisa visualizar uma hipótese de redução da taxa de juros. Na esfera política, o compromisso seria sustentado por uma "santa aliança" em torno da figura esvaziada, protocolar e simbólica do presidente. Nos sonhos dos articuladores do Plano Delfim, a aliança se estenderia desde um "novo PT" de Lula e Palocci (mas não de José Dirceu, que será sacrificado) até setores do PSDB e do PFL, passando por fragmentos do PMDB e pelo partido que Delfim Netto pretende criar com os cacos remanescentes do PP, PL e PTB.
O sucesso do empreendimento de reinvenção do governo Lula depende do cálculo estratégico da oposição. Depende, ainda, do grau de desespero da camarilha de operadores diretos da corrupção, pois paira no ar a ameaça de Dirceu, que, na hora da defenestração, garantiu que agia com o consentimento do presidente.

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