DEMÉTRIO MAGNOLI Falência da nova esquerda

DEMÉTRIO MAGNOLI
 No dia dos atentados em Londres, Tariq Ali escreveu que os londrinos "pagaram o preço pela reeleição de Blair e pela continuação da guerra". É quase como exclamar: "bem feito!". A frase não é uma síntese completa do comentário do escritor e ensaísta paquistanês, educado em Oxford, editor da "New Left Review" e ícone do movimento antiglobalização. No artigo, reproduzido na Folha no dia 8 de julho, ele lamenta a tragédia e registra que a maioria dos londrinos se opôs à Guerra do Iraque. Tariq Ali não deve ser confundido com os intelectuais degenerados que, por ocasião do 11 de setembro de 2001, saudaram os terroristas e interpretaram seus atos bárbaros como um golpe de morte desferido contra o coração do "império". Mas sua frase, acompanhada pelo diagnóstico de que "a causa desses atentados" se encontra no "apoio político e militar incansável que o novo trabalhismo e seu premiê oferecem às guerras americanas", reflete a falência da nova esquerda.
No fim das contas, Tariq Ali recusa-se a oferecer uma condenação incondicional dos terroristas. Seu artigo é fundamentalmente imoral, pois ele dissocia-se moralmente do terror, mas oculta o sentido político dos atentados. Sua argumentação equivale a uma negação da própria existência política das organizações da jihad global. Deliberadamente, ele cunha a expressão "anarquistas islâmicos" para caracterizar a rede do terror: a mensagem implícita é que os autores dos atentados são seres irracionais, inimputáveis, movidos pelo desespero. Tariq Ali não diz que a causa dos atentados é o ódio que as organizações jihadistas devotam à liberdade e que Blair e o Iraque funcionam apenas como argamassa de um discurso oportuno dirigido aos povos muçulmanos. Essa omissão é crucial, mas não fortuita.
Os jihadistas, unidos sob a bandeira da restauração de um império islâmico mítico, odeiam a liberdade na sua dupla acepção: as liberdades econômicas (ou seja, os privilégios do capital, dos investidores, das empresas) e as liberdades políticas (ou seja, os direitos dos cidadãos). A nova esquerda, no curso do seu combate à globalização, revela-se incapaz de distinguir as segundas das primeiras, isto é, as "liberdades da contestação" das "liberdades da ordem", e despreza as duas. Segundo a sua lógica, se os cidadãos de Londres tiveram a audácia de reeleger Blair, então são culpados pela Guerra do Iraque e "pagaram o preço" correspondente às suas escolhas.
A Londres atingida pela barbárie terrorista não foi a da City, mas a dos cidadãos comuns, de todos os credos religiosos e de todas as cores, que compartilham uma metrópole mundial. As bombas que explodiram no metrô, há uma semana, são argumentos poderosos no discurso dos que querem, em nome da segurança, restringir as "liberdades da contestação" e dividir os londrinos segundo o credo religioso e a cor da pele. Esse programa, em plena aplicação nos Estados Unidos, mas ainda embrionário na Europa, ajusta-se às estratégias de "guerra de civilizações" conduzidas por George Bush e Osama bin Laden. Quando Tariq Ali esconde o significado do terror dos jihadistas, a nova esquerda está dizendo que nada que mereça ser defendido existe em Londres. É um sinal de falência moral e política.