Entrevista:O Estado inteligente

quinta-feira, julho 14, 2005

Contaminação Zero?

Paulo Nogueira Batista Jr

folha de s paulo

Pickering: Have you no morals, man? Doolittle: Can't afford them, Governor. Neither could you if you was as poor as me.
Bernard Shaw, "Pygmalion"



A crise política, embora grave, não contaminou os mercados financeiros. O governo Lula enfrenta o seu pior momento, mas a economia continua por enquanto basicamente tranqüila, seguindo o seu padrão mais ou menos medíocre de sempre.
Surpresa? Nem tanto. É verdade que, normalmente, a política econômica não escapa incólume à crise do governo que a executa. Mas o atual governo brasileiro é um caso muito peculiar. A política econômica corre em faixa própria e não pertence propriamente ao presidente. Trata-se de uma herança recebida dos tucanos que, por sua vez, a importaram pronta do exterior. Nesse campo, Lula nunca chegou a tomar posse (nem tentou). Para o bem ou para o mal, o Ministério da Fazenda e o Banco Central são áreas interditadas, protegidas por um cordão sanitário. O único petista relevante que trafega por lá é o ministro Palocci, uma figura perfeitamente domesticada e inofensiva.
Para os mercados financeiros, a crise política teve até um efeito positivo: fortaleceu o ministro da Fazenda e sua equipe. Isso porque debilitou seriamente os setores que, dentro do governo, procuravam (sem grande sucesso) contestar o conservadorismo da orientação macroeconômica. Amedrontado pelos escândalos e denúncias, o presidente da República vem emitindo todos os sinais e garantias de que a política econômica continuará intacta. Ao mesmo tempo, o enfraquecimento do PT e de várias de suas principais lideranças contribui para consolidar a domesticação do governo. Mesmo na hipótese de um segundo mandato para Lula, fica cada vez mais claro que os mercados financeiros e o establishment nada têm a temer dos atuais governantes. Os interesses estabelecidos continuarão a ser contemplados com o devido carinho e cuidado.
Nessas circunstâncias, volto a dizer, chega a ser estranha a tese, levantada por alguns setores do governo e da esquerda, de que as elites estariam conspirando para derrubar o presidente. Que sentido faria, pergunto, derrubar um governo que já lhes pertence no essencial?
Do ponto de vista das elites, a crise talvez tenha cumprido grande parte do seu papel: intimidou o governo e abalou a autoconfiança de um presidente, cujo favoritismo para as eleições de 2006 era provavelmente excessivo. Agora, o risco de alguma descontinuidade na política econômica é ainda menor. Praticamente desapareceu do horizonte um cenário em que o governo Lula pudesse tentar, num segundo mandato, uma política econômica um pouco menos acovardada e rotineira. Se houver segundo mandato, Palocci terá, tudo indica, uma gestão tão longa quanto a de Malan, que foi ministro da Fazenda por oito anos, ao longo dos dois mandatos de FHC. Na melhor das hipóteses, morreremos de tédio.
Só um fator perturba um pouco esse quadro róseo, quase idílico para os defensores do status quo: a julgar pela pesquisa de opinião divulgada nesta semana, a popularidade do presidente ainda não foi afetada pelos escândalos, contrariando todas as expectativas. O povo não parece dar tanta importância à corrupção que escandaliza a classe média moralista.
Uma reação talvez semelhante à do personagem de Bernard Shaw, citado na epígrafe deste artigo. Questionado por um aristocrata por causa de suas atitudes imorais, respondeu: "Moral? Falta-me o dinheiro".

Nenhum comentário:

Arquivo do blog