Entrevista:O Estado inteligente

domingo, julho 10, 2005

A demissão que se impõe

O Estado de S. Paulo, sábado, 9 de julho de 2005.

Editorial. A demissão que se impõe

O ministro da Comunicação de Governo e Gestão Estratégica (Secom), Luiz Gushiken, fez bem em pedir demissão. Fará bem o presidente Lula em aceitá-la (se já não o tiver feito ontem, depois do fechamento desta página). Partindo de um governante que se notabilizou por hospedar na administração companheiros derrotados nas urnas – o que não é o caso de Gushiken – e por pensar duas vezes antes de não demitir colaboradores amigos, para evitar magoá-los, o ato seria acima de tudo uma extraordinária demonstração de coragem política, a decisão mais próxima possível do sentido literal do "cortar na própria carne" prometido por Lula.

Não há na hierarquia petista ninguém pessoalmente mais íntimo do chefe do governo do que o deputado de três mandatos, também originário do movimento sindical, a quem chama afetuosamente "Chininha".

Tampouco deve haver no primeiro escalão alguém mais leal ao presidente. E foi por lealdade, ao que tudo indica, que entregou o cargo. Gushiken se diz inocente de tudo o que vem se levantando contra ele. Não é pouco, a começar do fato de a empresa de cuja sociedade se afastou depois da eleição de Lula (e que funciona numa casa pertencente à sua mulher) ter fechado depois disso cinco contratos de consultoria com fundos de pensão das estatais – a principal área de influência do ministro – e de ter o seu faturamento inflado em 1.200% entre 2002 e 2004 (de R$ 151 mil para pouco menos de R$ 2 milhões).

Potencialmente ainda mais grave é o que talvez revele uma auditoria rigorosa nos contratos de publicidade da administração direta e indireta, coordenados pela Secom. Somam R$ 1,3 bilhão – e alguns dos mais polpudos foram assinados com empresas de Marcos Valério de Souza, acusado de ser o pagador do "mensalão". Imagina-se que possa haver casos de superfaturamento: a diferença a maior serviria para encher as malas do publicitário. No ano passado, por fim, um ex-assessor de Gushiken foi trabalhar para Valério, em um indício eloqüente de promiscuidade. Em quaisquer circunstâncias, um ministro posto nessa roda-viva de situações suspeitas apenas faria a sua obrigação pedindo para sair.

Mas não sendo Gushiken um ministro como os outros – pela função capital que exerce e por suas estreitíssimas relações com o chefe – e dadas as circunstâncias de uma crise que não dá sinais de arrefecer, o seu afastamento é sobretudo uma tentativa de "preservar Lula", como ele mesmo explicou. Essa, efetivamente, é a questão política dominante.

Enquanto a pior acusação ao presidente continuar sendo a de que ele se pôs no papel do último a saber, por lhe faltar aquilo que o ex-ministro José Dirceu tinha em excesso – o apetite pelo controle do governo e das ações alheias –, a prioridade dos que não apostam no pior também continuará sendo a de ajudá-lo a levar o mandato a bom termo. (Descartadas, por impertinentes, eventuais fantasias de abolir a regra da reeleição.)

Para se completar, a travessia exige, como condição necessária, embora não suficiente, a despetização do governo, ou pelo menos do seu núcleo central. Um passo enorme nessa direção foi a tardia volta de Dirceu para a planície. No caso de Gushiken, a rigor, o problema é menos a sua contribuição para a presença tentacular do partido na máquina do Executivo do que a validação do princípio da mulher de César: a esta altura, não pode haver nas imediações do gabinete presidencial nada que pareça menos do que absolutamente honesto. O nó é que à recomposição da imagem ética do governo, afinal o seu único passaporte para a governabilidade, corresponde uma etapa de decomposição da equipe de conselheiros do presidente, o Politburo do Planalto.

Ninguém consegue governar com um mínimo de segurança sem esse ministério dentro do ministério – que dirá Lula. Por isso, a saída de Gushiken representa um duplo problema para ele: a perda, em si, do primeiro-confidente e a escassez de nomes não apenas para a Secom, mas para o lugar privilegiado que o Chininha ocupava no círculo íntimo decisório. Desde que se instalou a crise, Lula encontrou no ministro da Fazenda, Antonio Palocci, um interlocutor (e um negociador político) à altura do momento.

Palocci e Gushiken, aliás, vinham formando uma competente dupla de área pelo time da sensatez nas disputas com os amadores e os cabeças-quentes. Poderá Palocci jogar pelos dois?

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