Entrevista:O Estado inteligente

sábado, julho 09, 2005

Cinco pontos para uma reflexão equilibrada das oposições

e-agora

Antonio Fernandes

Escrevi aqui ontem. "O que vem acontecendo no Brasil a partir de 2003 é muito, muito mais grave do que tudo o que já ocorreu no país em um regime democrático. Muito mais grave do que a chamada sarneyzação. Mais grave do que a collorização. Queiramos ou não, gostemos ou não, seja fácil ou difícil de acreditar, o fato é que a lulização do Brasil viabilizou um processo de corrupção no atacado [o 'PT da mala'] para servir ao projeto de poder pelo poder de um partido [o 'PT mala']. Isso é perigosíssimo para a democracia. E é inaceitável. Uma conclusão se impõe: Lula só pode continuar se tal processo for interrompido, com a desentronização do Estado tanto do 'PT da mala' quanto do 'PT mala', quer dizer, do PT". Pois é. Mas os líderes oposicionistas andam em dúvida sobre se o risco maior é "segurar" Lula até o final ou permitir que o processo político defenestre antecipadamente o principal responsável pelos descalabros do atual governo. O problema maior aqui é que não podemos permanecer na incerteza, jogando na "loteria dos fatos" (ou das denúncias). Apresento a seguir cinco pontos para uma reflexão equilibrada.

Primeiro ponto: Lula é o principal responsável

Não há como tergiversar. Lula é o principal responsável pelo que fazem ou deixam de fazer os seus colaboradores. Para tanto foi eleito: para ser o responsável. Se sabe de irregularidades e não toma as providências necessárias e cabíveis, prevarica, comete crime de responsabilidade. É assim que funciona. Temos mais de dez exemplos de irregularidades sobre as quais Lula tomou conhecimento e não tomou providências. Isso vai desde o mensalão, passando pelo Waldomiro (que sequer foi demitido por ele, mas saiu a pedido), pelo Dirceu, por pelo menos cinco outros ministros etc. etc.

Segundo ponto: Lula não se emenda e não vai mudar o seu comportamento

Apesar de tudo o que vem ocorrendo (quer dizer, aparecendo) desde o início de 2004, Lula não dá mostras de sincera conversão, já não direi ao espírito republicano e às convicções democráticas, mas, ao menos, ao bom senso. Acuado pelos fatos, reage da pior forma possível. Argumenta que querem tirá-lo do poder por inveja (?), acusa as elites (?) de preconceito contra um operário, contra uma pessoa que veio de baixo e não tem curso superior. Em meio à crise profunda do seu governo, insiste em comparecer ao Foro de São Paulo (e em trajes ridículos, à la Chavez), intervem, de cima para baixo, na pauta do Câmara para dificultar as apurações das comissões parlamentares, declara o oposto do que realmente está fazendo e nomeia para um ministério mais um sindicalista alinhado. Não dá um sinal, um mínimo sinal, de que esteja arrependido do espetáculo lamentável, grotesco até, que vem proporcionando ao país. Não pede desculpas, não perde a arrogância e continua acreditando que é capaz de virar o jogo no gogó, na base do discurso de palanque. Tudo indica que Lula não aceitará mudar o seu comportamento, ou seja, não concordará em tomar as três medidas que poderiam garantir a conclusão tranqüila do seu mandato, a saber: a) desbaratar a quadrilha, reforçando as apurações para punir os culpados de corrupção, sejam quais forem; b) desmontar o esquema de aparelhamento, reduzindo drasticamente o grau de ocupação do aparelho de Estado pelo PT; e c) abrir mão da reeleição.

Terceiro ponto: Lula não pode se desvencilhar do PT

Tudo indica que é remota a possibilidade de uma mudança radical no governo. Lula não tem capacidade de mudar nada com a profundidade e a rapidez necessárias. Basta ver o tempo que tomou da nação com uma reforma ministerial que, depois de quatro meses de especulações, acabou "parindo um rato" (e um rato problemático): o Jucá. Basta ver também o tempo que ele leva para afastar um colaborador que "pisou na bola", se é que já o fez algum dia. Em quase todos os campos, Lula é conduzido pelos fatos, com exceção daquelas coisas que dizem respeito diretamente à sua postulação de chegar ou permanecer no poder. Nada mais conta muito para ele, inclusive governar. É altamente improvável que Lula decida despetizar o governo, como alguns analistas vêm supondo e alguns oposicionistas vêm propondo. Isso exigiria uma mudança radical de trajetória para a qual ele não tem estofo. Por outro lado, mesmo que queira, Lula não pode se desvencilhar do PT sem perder sua identidade e seus instrumentos privados de conquista ou manutenção do poder. Isso significa que se o partido afundar, ele afunda junto, mais cedo ou mais tarde. Até porque não pode correr o risco de escorraçar antigos colaboradores íntimos, que acabarão abrindo o bico e poderão revelar que ele não apenas sabia, mas chefiava os esquemas ilegais de corrupção e os esquemas ilegítimos de aparelhamento do Estado que foram montados pelo 'PT-no-governo'.

Quarto ponto: O risco de manter Lula no poder está se igualando ao risco de sua saída antecipada

Hoje não se pode dizer com certeza se o risco maior é manter Lula até o final do mandato ou ajudar a negociar uma substituição negociada e antecipada do presidente. Manter Lula sem qualquer mudança de comportamento de sua parte é um risco altíssimo para a estabilidade institucional, sobretudo porquanto não sabemos o que ainda virá por aí. Substituir Lula antecipadamente também é um risco altíssimo para o país. Como, ao que tudo indica, Lula não vai mesmo renunciar (não, pelo menos, enquanto não surgirem evidências que o impliquem diretamente no esquema de corrupção e a sua posição fique insustentável), uma alteração do calendário também poderá afetar gravemente, não tanto a estabilidade institucional, mas a credibilidade do país, provocando efeitos indesejáveis, como, por exemplo, uma fuga de capitais e investimentos (embora isso não seja certo nem, ao meu ver, muito provável). O problema maior aqui é que não podemos permanecer na incerteza, jogando na "loteria dos fatos" (ou das denúncias). As oposições gostariam de um desgaste lento e progressivo de Lula e sua derrota em 2006 e, assim, fingem acreditar que ele não está envolvido nos esquemas ilegais ou ilegítimos que foram montados pelo PT. Assim também vem se comportando grande parte do empresariado. Todavia, dada a avalanche das evidências, fingir que Lula nada tem a ver com a crise de seu partido e de seu governo, também é um risco. Pois ficando o país dirigido pelos fatos, ninguém sabe o timing certo de ficar dentro ou pular fora, de continuar assistindo passivamente (ou, no máximo, pronto para reagir quando o descalabro passar dos limites) ou construir proativamente uma solução quando ainda há margem de manobra. É uma aposta de loteria mesmo. Como toda aposta, deixa os agentes inativos, contando com a sorte, aguardando um resultado fortuito e paralisados no que tange à construção de uma saída institucional democrática aceitável. E, em qualquer circunstância, essa saída não virá dos fatos nem cairá do céu, mas deverá ser construída pela política. Em suma, os atores deixam de ser atores e passam a ser expectadores de uma peça sem direção e sem script. Ora, dependendo do que vier a ocorrer, isso pode se revelar um risco igual ou maior do que construir uma saída política para a crise já agora em 2005.

Quinto ponto: a substituição democrática de Lula não vai ser o fim do mundo

Mesmo que o Brasil seja abalado por uma renúncia ou por um impeachment, existem ritos democráticos para conduzir e consumar esses processos sem destruir o país. Existe vice-presidente para tais situações. Alencar é tão confiável como qualquer outro, desde que se comprometa a não mexer na política econômica. Mantida a equipe econômica – o que pode ser fruto de uma ampla negociação para superar a crise e impedir que o Brasil vá para o buraco em termos políticos –, Alencar é bem mais confiável do que Lula. Não consta no seu passado nem no seu comportamento na vice-presidência, evidências que indiquem que ele tenha se associado a qualquer esquema de corrupção ou de aparelhamento em larga escala. Não há nenhuma indicação de que ele queira se eternizar no poder ou vincar toda a atuação do Estado com a diretiva da sua reeleição. Além de tudo, ele não tem esquema próprio de poder e não pode, mesmo que queira, privatizar partidariamente a esfera pública, como faz Lula. E continuará fazendo, caso alguma providência não seja tomada.

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