Entrevista:O Estado inteligente

quinta-feira, julho 14, 2005

Apagar incêndios

O Estado de S Paulo

CELSO MING

É claro que a invasão das lojas Daslu pela Polícia Federal e a prisão de sua proprietária, a empresária Eliana Tranchesi, são parte de uma manobra do governo federal destinada a tirar o foco das denúncias e dos escândalos já conhecidos.

Se há sonegação a combater, também havia antes. Por que a contra-ofensiva moralizadora apenas agora? Este é o tipo do barulho provocado no fundo do salão com objetivo de encobrir o buchicho sobre corrupção que tomou conta do PT e engolfou o governo Lula.

Mas, quem sabe, poder-se-ia ver nisso mais do que uma operação dissuasiva e reconhecer que o governo avançou numa área que até agora parecia abandonada. Desta vez, não só mostrou renovada disposição para enfrentar a sonegação fiscal, o contrabando, a informalidade e a impunidade, mas mostrou, também, que está mais equipado para passar a limpo um setor importante da vida nacional que parecia sem remédio.

Essa demonstração não começou há dias, quando a Polícia Federal prendeu um assessor de político do Ceará, com US$ 100 mil escondidos na cueca, no desempenho de funções de "mula"; ou quando apanhou R$ 10 milhões na bagagem de um bispo da Igreja Universal. Começou em outubro de 2004, quando a própria Polícia Federal flagrou o marqueteiro Duda Mendonça numa rinha de galos no Rio de Janeiro.

Enfim, é a Polícia Federal ou, mais especialmente, o ministro da Justiça, Márcio Thomaz Bastos, empenhado agora em passar o recado de que o governo Lula pode estar ferido, mas não está morto. E que está empenhado em assumir o controle do País e da política nacional depois de tanto tempo paralisado.

É inegável que há algo novo se movendo mais eficientemente no governo Lula. A reforma ministerial anunciada há nove meses e que até agora estava emperrada, afinal ganhou corpo com a troca dos primeiros quatro ministros, independentemente da qualidade da troca.

Também fazem parte do processo de aumento de eficiência do governo projetos de inspiração do Ministério da Fazenda e do ministro Antonio Palocci. Goste-se ou não, a política econômica foi, até aqui, o único setor consistente do governo Lula, o único que há meses mostra resultados. Ao contrário do que aconteceu nos anos anteriores, essa crise, embora grave, não deflagrou fuga de capitais. Também ao contrário do que se esperava, o dólar segue perdendo gás no câmbio interno; a inflação está em queda; a dívida pública, sob controle; a balança comercial vai render neste ano um superávit superior a US$ 35 bilhões; o índice de risco Brasil fechou ontem abaixo dos 400 pontos; a economia continua crescendo - menos do que deveria, mas está crescendo; e o desemprego não está aumentando.

Isso não é pouco e poderia render mais. Daí o projeto de garantir déficit nominal zero nas contas públicas, cujo objetivo é derrubar ainda mais a dívida e cortar os juros. E é daí também o pretendido choque de gestão cujo resultado pode ser a derrubada do déficit do INSS, que no ano passado atingiu R$ 37 bilhões. O erro é pretender que boa gestão deva acontecer apenas em resposta a crises.

A retomada da iniciativa por parte do governo é dessas coisas das quais seria bom poder dizer que, se vêm tarde, antes tarde do que nunca. O problema é que os dois setores que funcionam no governo Lula agora estão sendo escalados para apagar incêndios.

Governo que nasce torto não se desentorta 18 meses antes de acabar. E não vai ser meia dúzia de espetáculos de eficiência que vão dar rumo a um governo que até agora não sabe aonde quer chegar.

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