Os três foram agredidos durante sete horas com socos, pontapés, choques elétricos e simulação de roleta-russa, antes de serem libertados. Como não fizeram exame de corpo de delito para comprovar as agressões, a ausência de provas materiais deve prejudicar o processo criminal contra os agressores, caso venham a ser identificados pela polícia fluminense.
A falta de provas tem sido a principal dificuldade para se reprimir a ação das milícias. Pelas estimativas da Secretaria da Segurança Pública, até o ano passado esses grupos controlavam 122 favelas. Hoje, segundo a mesma fonte, seriam ''menos de cem'' as comunidades sob o controle das milícias. Formadas por ex-policiais militares, investigadores da polícia civil, bombeiros da ativa e aposentados, e contando com apoio de alguns vereadores - a chamada bancada da ''Liga da Justiça'' -, as milícias expulsaram facções criminosas e assumiram a ''segurança'' das comunidades, passando a utilizar as mesmas técnicas de intimidação e extorsão do narcotráfico.
''O miliciano é um marginal ao quadrado, porque usa a estrutura do Estado, a carteira e o emblema da instituição a que serve'', diz o secretário de Segurança Pública, José Mariano Beltrame. ''A atuação de milícias é um crime fácil de identificar, mas difícil de provar. Posso ir a um determinado lugar, encontrar um policial armado à paisana e usando a carteira funcional que, ao ser inquirido, vai dizer que está ali passeando ou que seus familiares moram na região. E eu não tenho como provar algo diferente'', conclui.
As reações ao seqüestro e tortura da equipe de O Dia foram as esperadas. A Associação Brasileira de Imprensa e a Ordem dos Advogados do Brasil classificaram o incidente como ''ataque à liberdade de imprensa''. A Associação Nacional de Jornais e a Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo lembraram o assassinato do jornalista Tim Lopes, da TV Globo, torturado até a morte por traficantes, em 2002. E o Sindicato dos Jornalistas do Rio de Janeiro promoveu ato exigindo punição exemplar para os agressores.
O Ministério da Justiça prometeu ''colaborar''. O governador Sérgio Cabral afirmou que continuará ''firme'' no combate à criminalidade. O prefeito César Maia classificou o incidente como ''fato de extrema gravidade''. O chefe da Delegacia de Repressão ao Crime Organizado afirmou que os autores do seqüestro serão identificados. E, em sessão agendada há meses, o relator da ONU para assassinatos sumários fez contundente crítica ao Brasil no Conselho de Direitos Humanos, denunciando a proliferação de grupos paramilitares.
Por ironia, a divulgação do seqüestro da equipe de O Dia coincidiu com a notícia da prisão em flagrante do ex-chefe da Polícia Civil do Rio deputado Álvaro Lins, posteriormente solto por decisão da Assembléia Legislativa, e a descoberta de um sofisticado esquema de corrupção no setor policial durante os governos de Anthony e Rosinha Garotinho.
É justamente esse o ponto central do problema: a promiscuidade nas relações entre o crime organizado e o poder público, a ponto de se tornar impossível saber quem é corrupto e quem é corruptor. Quanto maior é essa promiscuidade, maior é a ousadia do narcotráfico e dos grupos paramilitares, o que corrói as estruturas do Estado e põe em risco as liberdades fundamentais.
O que vem ocorrendo no Rio de Janeiro é um problema conhecido, cujas causas já foram estudadas à exaustão. O que falta para resolvê-lo é determinação política. Por enquanto, não há indícios de contaminação do governo Sérgio Cabral que o impeçam de revelar essa determinação.