Perguntado sobre as denúncias da Anistia Internacional de que as condições de trabalho nos canaviais brasileiros lembram as da escravidão, Lula enveredou por outras analogias igualmente defensivas. Primeiro, fez uma equiparação absurda entre a faina dos cortadores de cana e a ''de um balconista que fica atendendo a gente, correndo dentro de um balcãozinho das 6 da manhã à meia-noite (sic)''. Em seguida, ocorreu-lhe aproveitar a deixa para mais uma estocada nos europeus. ''Agora (o trabalho no canavial) não é mais duro do que o trabalho em uma mina de carvão, que foi a base do desenvolvimento da Europa. Pegue um facãozinho e passe um dia cortando cana e desça numa mina a 90 metros de profundidade para explodir dinamite para ver o que é melhor'', sugeriu, como se não houvesse minas de carvão no Brasil ou não estivessem sujeitas a acidentes (no começo de maio, uma explosão matou dois mineiros em Santa Catarina).
As tiradas do presidente são dispensáveis. As culpas dos países ricos pela crise ambiental estão fartamente demonstradas, assim como ninguém ignora os imensos sacrifícios humanos que tornaram possível a sua prosperidade. Mas isso não altera a questão que desafia o Brasil: promover o progresso da Amazônia sem devastá-la. Ou, no caso da cana - sobretudo agora que o etanol dela extraído está no centro dos debates mundiais sobre a alta dos preços dos alimentos e o papel dos biocombustíveis no combate ao aquecimento global -, desenvolver o setor, assegurando aos seus trabalhadores as condições de produção e segurança a que têm direito. O próprio Lula mencionou iniciativas nesse sentido, reconhecendo implicitamente que o problema existe, e chamou a atenção para um dilema correlato: a mecanização do corte da cana (uma máquina pode substituir até 90 cortadores) expõe ao desemprego mais de 1 milhão de pessoas.
Acontece que os erros alheios, passados e presentes - ou ainda a hipocrisia dos críticos -, não justificam os nossos, muito menos deveriam ser invocados para encobrir a falta de pulso do governo para deter a marcha das motosserras. No fim da semana, por exemplo, o ministro do Meio Ambiente, Carlos Minc, anunciou que os desmatadores nas áreas limítrofes da floresta com o cerrado, em Mato Grosso e Tocantins, não serão punidos com cortes de financiamentos. Anunciou também o aporte de R$ 1 bilhão em créditos a juros de 4% ao ano aos produtores da Amazônia que desmataram mais do que o permitido e precisam replantar a floresta. A desqualificação das preocupações com a preservação da Amazônia, imputando-lhe vícios de origem, sugere uma atitude complacente diante do negócio da terra arrasada. Lembra, guardadas as proporções, o que Lula disse à época do mensalão: ''O que o PT fez do ponto de vista eleitoral é o que é feito no Brasil sistematicamente.''
O pior é que isso pode ser contraproducente, no momento em que poderosos interesses se voltam contra o etanol brasileiro, como se tivesse parte com a inflação alimentar mundial - o que o presidente faz bem em denunciar, lembrando que o Brasil produz mais biocombustível e mais alimentos, e ressaltando o impacto da alta do petróleo sobre o custo dos fertilizantes e do transporte de alimentos.