Entrevista:O Estado inteligente

sábado, junho 21, 2008

Todas querem ser Dubai


Em busca da modernidade, outros centros
do Golfo se transformam em canteiros de obras


Duda Teixeira

Dubai é o cenário vistoso de uma experiência econômica e cultural sem precedentes no mundo árabe. Minúsculo, com seu petróleo prestes a se esgotar, o emirado se reinventou como um porto seguro para empresas estrangeiras, investidores e turistas. Fez isso por meio de obras espetaculares, legislação camarada para com o capital externo e doses surpreendentes de tolerância cultural, uma raridade no Golfo Pérsico, região que concentra 60% das reservas conhecidas de petróleo. Como conseqüência, a economia dos Emirados Árabes Unidos cresceu mais de 9% ao ano desde 2003 – sem contar a produção de petróleo. As inovações agora servem de exemplo para as capitais dos países vizinhos Barein, Catar, Omã e também para as demais cidades-estado dos Emirados Árabes Unidos, dos quais Dubai faz parte. Apesar de a elevação no preço do barril ter triplicado o produto interno bruto desses países desde 2000, seus governantes compartilham a idéia de que não podem depender apenas da exploração de petróleo, que é finito. A ordem é estimular a educação, a pesquisa científica, a atração de investimentos externos e o turismo. Não fosse a recusa de estabelecer estados laicos, eles poderiam ser considerados os déspotas esclarecidos da atualidade.

Há três décadas, ao perceber que suas reservas de petróleo estavam minguando, Dubai decidiu se tornar o principal entreposto comercial no golfo. Começou por construir um porto artificial, criou zonas francas e, mais recentemente, iniciou uma série de construções megalomaníacas para atrair turistas e impressionar investidores. Ilhas artificiais no formato de palmeiras, shopping centers e mais de uma centena de hotéis foram inaugurados há pouco ou estão em fase de construção. O número anual de turistas já supera em cinco vezes a população do emirado. O modelo Dubai sustenta-se na combinação de estabilidade, tolerância e progresso – em meio a uma região em que são poucos os países com qualquer um desses elementos, quanto mais os três juntos. Isso ajuda a entender por que jovens qualificados de todo o Oriente Médio estão se mudando para as cidades de Doha, no Catar, Manama, no Barein, e Abu Dhabi, nos Emirados Árabes Unidos, onde se sentem em casa culturalmente, mas também podem levar um estilo de vida mais moderno.

O Catar é a estrela nessa constelação. O emirado assumiu recentemente o posto de nação com a maior renda per capita do mundo e no seu subsolo estão 15% das reservas de gás natural do planeta. A Al Jazira, o maior canal de notícias árabe, é uma das novidades modernizantes do governo de Doha. Em 1971, ao se tornar independente da Inglaterra, o Catar recusou-se a se integrar aos Emirados Árabes Unidos, que reúnem as cidades-estado do Golfo. Agora, faz o possível para se aproximar dos vizinhos e do mundo. Depois de derrubar o próprio pai em 1995, o xeque Hamad bin Khalifa al-Thani instituiu novidades como a liberdade de culto e de expressão. Dois anos atrás, passou a investir 2,8% do PIB em pesquisas científicas, proporção superior à adotada na União Européia e nos Estados Unidos. Há dez anos, foi inaugurada a Cidade da Educação, um campus com seis filiais de universidades americanas, entre elas Georgetown e Virginia Commonwealth, a VCU. Seis de cada dez estudantes são do próprio Catar e não pagam nada pelos cursos. Os demais alunos vêm, sobretudo, de outros países do Golfo. "Em uma mesma sala é comum haver alunas usando jeans e outras cobertas com véu, todas desenhando sapatos de salto alto ou vestidos de noite modernos", disse a VEJA a americana Karen Videtic, diretora do departamento de moda da VCU. No início, a universidade aceitava apenas mulheres. Recentemente, abriu vagas para homens. Quando se considera que na vizinha Arábia Saudita as mulheres não podem sequer dirigir um carro e os sexos são inteiramente segregados no local de trabalho, trata-se quase de uma revolução.

A crescente, ainda que tímida, liberdade para as mulheres é acompanhada de maior participação política da população. Nenhum desses países é uma democracia. Omã é uma monarquia absolutista, Barein e Catar são monarquia e emirado constitucionais. Mas há certa disposição em descentralizar o poder. O Barein promoveu eleições parlamentares em 2002 e tem um Judiciário independente. O Catar realiza eleições municipais desde 1999. Omã, o mais fechado de todos e o que menos dá autonomia às mulheres, tem um Parlamento com funções consultivas (as leis são feitas pelo sultão), com participação feminina. O sultanato, a exemplo de Dubai, dispõe de reservas pequenas de petróleo e aposta alto no turismo. Com uma natureza exuberante, Omã oferece seis resorts, quatro deles cinco-estrelas, cachoeiras e praias belíssimas. Espera multiplicar por dez sua receita com o turismo até 2020.

Abu Dhabi, a capital dos Emirados Árabes Unidos, vai inaugurar filiais dos museus do Louvre e Guggenheim até 2012. Outros dois museus e um teatro estão sendo construídos. Manama, no Barein, focou nos negócios. Com a instabilidade política e os conflitos que assolam o Líbano, Manama passou a disputar com Beirute o posto de centro financeiro do mundo árabe. A ilha tem 25 bancos comerciais, mais do que o dobro de toda a Arábia Saudita, e outras cinqüenta instituições financeiras têm sua sede regional para o Oriente Médio instalada no paraíso fiscal. O setor da economia que mais cresce nos países do Golfo é a construção civil. Atualmente, há 1 trilhão de dólares em projetos em andamento. Para erguer os arranha-céus no deserto, a região recebeu 17 milhões de trabalhadores migrantes, a maioria vinda da Índia, do Paquistão e das Filipinas. Em Doha, capital do Catar, mais de 100 edifícios estão sendo erguidos, o que vai quadruplicar a quantidade de prédios na cidade. São tantas casas e edifícios em obras em Dubai que o emirado precisaria aumentar sua população de 1,3 milhão para 4 milhões até 2020 para conseguir ocupar todos eles. O objetivo final de todas essas transformações é um só: preparar os países do Golfo para o mundo pós-petróleo.

De repente, seis novas cidades

Emaar Development Via The New York Times
Maquete da Cidade Rei Abdullah: canais inspirados nos de Amsterdã

Maior exportador de petróleo, a Arábia Saudita tem agora o segundo maior canteiro de obras do mundo e está perto de suplantar o campeão, o emirado de Dubai. Aproveitando o lucro proporcionado pela alta no preço do barril, o rei Abdullah encomendou a construção de nada menos que seis cidades planejadas. A principal delas, a Cidade Econômica Rei Abdullah, terá suas primeiras casas entregues no fim deste ano. Em uma área quase do tamanho do Recife, comportará um porto, um centro financeiro, um campus universitário e diversos distritos industriais. Como é de esperar no religioso reino saudita, o clero muçulmano foi amplamente contemplado – a nova cidade terá 550 mesquitas. Para deixar o ambiente agradável, estão projetados canais inspirados nos de Amsterdã e 75 quilômetros de calçadão para caminhadas e corrida.

Aos 83 anos, o rei saudita tem três bons motivos para investir nas novas cidades. O primeiro é que está sobrando dinheiro. Na falta de opções de investimento doméstico, no ano passado os sauditas compraram a divisão de plásticos da General Electric, a segunda maior empresa americana. Outro motivo é que o país precisa arrumar com urgência casa e emprego para seus jovens. Devido à alta taxa de natalidade, a população saudita deverá crescer de 24 milhões para 40 milhões em 2025. As novas cidades têm o objetivo de criar 1 milhão de empregos e servir de residência para 2 milhões de pessoas. O terceiro motivo é que, apesar de ainda flutuar sobre reservas de petróleo, o governo da Arábia Saudita está acordando para o fato de que, um dia, terá de deixar de ser um país onde tudo se importa e nada se produz. O plano é instalar indústrias petroquímicas, de produção de alumínio, aço e fertilizantes nas cidades que estão nascendo nas areias do deserto.

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