Entrevista:O Estado inteligente

terça-feira, junho 17, 2008

A sorte e o intervencionismo



ARTIGO - Ilan Goldfajn
O Estado de S. Paulo
17/6/2008

Mal sabia ele que, poucos anos e muitas descobertas depois, os "poços" da Petrobrás teriam tamanha relevância. Refiro-me a Severino Cavalcanti, presidente da Câmara dos Deputados em 2005, e sua memorável frase: "O que o presidente me ofereceu foi a diretoria que fura poço. É essa que eu quero!" Cobrava indicações políticas. Com a mesma naturalidade com que, recentemente, o ministro do Trabalho - favor não confundir com o de Minas e Energia - antecipou descobertas fora de sua competência. A Petrobrás teve de emitir notas confirmando. Todo dia saem notícias sobre novos impostos, royalties e fundos para a utilização dos recursos futuros. E não é só petróleo. Fala-se em novos impostos na mineração. Perigo: o que se extrai do solo pode esvair-se na terra. Vai ser fundamental saber administrar e colocar os incentivos corretos para que a abundância não vire escassez.

Não há evidências econômicas de que a abundância de recursos naturais leve necessariamente ao crescimento sustentado ou à melhora no bem-estar da população. Se houver incentivos corretos para a inovação, o empreendedorismo e o investimento, o crescimento virá forte. A Noruega combinou petróleo com investimento em educação e, hoje, é um país rico. Há países petrolíferos cuja população permanece pobre. Há exemplos do contrário. Cingapura enriqueceu sem nenhum recurso natural e se encontra melhor que a vizinha Malásia, rica em petróleo. Israel tem uma renda per capita superior à dos seus vizinhos árabes, baseada numa economia forte em alta tecnologia, sem recursos naturais.

Os casos da Argentina e do México são emblemáticos. A intervenção em várias áreas da economia, a fixação de preços artificialmente e a cobrança crescente de impostos dos setores mais dinâmicos geraram a situação atual de inflação fora do controle e a escassez de produtos devida às greves nas áreas prejudicadas. No México, a exploração política da companhia petroleira Pemex acabou levando à queda dos investimentos e das reservas disponíveis de petróleo. Hoje a carga tributária mexicana é fortemente dependente dos impostos cobrados da Pemex.

No Brasil, há sinais de maior intervenção política nas decisões privadas, e não me refiro apenas ao caso noticiado da venda da Varig. A recente criação da supertele, com a compra da Brasil Telecom pela Oi, viabilizada pelo governo, não deve beneficiar o consumidor. O objetivo político é criar uma grande empresa brasileira (para quê, mesmo?). O próximo passo parece ser a criação da superfarmacêutica, com os mesmos objetivos políticos. Nos últimos anos, a ingerência política nas agências reguladoras tem sido crescente.

Com a descoberta de petróleo nos novos campos e o aumento vertiginoso do seu preço, o voluntarismo político parece ter crescido. Não é só que há uma profusão de idéias de como abocanhar uma parcela maior das descobertas por meio de mais impostos, royalties e fundos específicos. Mas, crescentemente, se ignora que a Petrobrás é uma empresa que tem ações na bolsa e sócios em vários projetos. Dentre os acionistas, encontram-se pulverizados os que adquiriram as ações via programas do governo, como fundos com recursos provenientes do FGTS ou, implicitamente, o programa Papéis Índice Brasil Bovespa (PIBB) do BNDES, em que vários acionistas menores tiveram acesso às ações da Bovespa. A princípio, o que une os interesses da Petrobrás, de seus acionistas e sócios é a busca da eficiência e do menor custo. Explorar o petróleo nas camadas profundas do litoral brasileiro vai exigir muito planejamento, investimento e tecnologia de ponta. Fazê-lo ao menor custo é um bem para o País.

Em artigo de 10 de junho no jornal Valor Econômico, a jornalista Cláudia Schüffner revela o desejo do governo, por intermédio da ministra-chefe da Casa Civil, de que as encomendas de plataformas semi-submersíveis e navios-sonda sejam feitas no País, mesmo a um custo muito maior e com o risco de atrasar a exploração. Apenas quando o Sindicato Nacional da Indústria da Construção e Reparação Naval e Offshore (Sinaval) admitiu, relutantemente, que não teria condições de atender, no prazo desejado, às 12 primeiras encomendas, o governo resignou-se a permitir que a Petrobrás cumpra o seu papel, ou seja, zele pela forma mais barata de explorar o petróleo. Mas só em relação às primeiras unidades. As outras 28, do total de 40, terão de ser feitas no Brasil, a custo maior e qualidade ainda a se verificar. A idéia é incentivar (artificialmente) as indústrias nacionais. Esse caso me lembra a Lei de Informática, quando se tentou, na base de limitações e proibições, alcançar uma tecnologia de ponta. Deu no que todos vivenciaram: anos de atraso até a suspensão do programa. No atual ritmo dos eventos, a Petrobrás tem de se cuidar para não terminar como a Pemex, do México.

E não é só no petróleo. Segundo notícias veiculadas neste fim de semana, o governo quer propor um novo marco regulatório no setor de mineração e aumentar os impostos sobre a exploração de minerais. É a reação política ao aumento de preços no mercado internacional. Não bastariam ao País mais emprego e renda como resultado desses aumentos de preços. Há o desejo de aumentar os impostos (e elevar a carga tributária ainda mais).

A ideologia centralizadora e intervencionista tem riscos claros. Há a crença de que a mão firme e a decisão por poucos no governo possam levar a resultados mais satisfatórios do que os que viriam naturalmente das decisões dos especialistas em cada uma das áreas da economia. Mas o dirigismo na economia é campo fértil para exploração política das decisões pelos que sempre estão atrás das "rendas" do Estado, aqueles ganhos que advêm de deter privilégios, dados pelo jogo do poder e permitidos pelo subdesenvolvimento das regras de proteção ao coletivo.

Ilan Goldfajn, sócio da Ciano Investimentos, diretor do Iepe da Casa das Garças, é professor da PUC-Rio. E-mail: igoldfajn@cianoinvest.com.br

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