Entrevista:O Estado inteligente

sábado, junho 21, 2008

O robô romântico


Wall-E tem de limpar uma Terra atulhada de lixo.
Seu sonho, porém, é viver como em um musical


Isabela Boscov

Divulgação
Wall-E, com sua amiga baratinha: graças à competência da Pixar,
um monte de lata jovial, resignado, sonhador e atento ao belo

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Trailer do filme

O inglês Alfred Hitchcock teve duas carreiras de imenso sucesso como mestre do suspense: a primeira, nos filmes mudos, e a segunda, a partir de 1929, nos sonorizados. Mas, em sua opinião (e ela não era uma opinião qualquer), poucos diretores entendiam (ou entendem) o que fazer com o recurso do diálogo – "fotografias de gente falando" era como ele designava o que eles faziam. Com isso, Hitchcock não se colocava contra os diálogos, que aliás escrevia primorosamente, mas sim contra o comodismo: já que é possível explicar algo por meio de palavras, por que se dar o trabalho de explicá-lo também, ou principalmente, por meio de imagens? Essa era a atitude que ele criticava. A Pixar, produtora que revolucionou a animação a partir de Toy Story e que sempre esteve determinada a permanecer na vanguarda, não pode em caso nenhum ser acusada de acomodação. E, com Wall-E (Estados Unidos, 2008), que estréia nesta sexta-feira no país, ela leva seu preceito de expressividade cinematográfica ainda mais adiante, na direção em que Hitchcock raciocinava. Fazendo de uma limitação antiga um desafio novo, o diretor Andrew Stanton, também de Procurando Nemo, joga fora os diálogos em toda a primeira parte do desenho, e em trechos razoáveis de sua metade final. Imagens, e alguns ruídos, são tudo de que ele dispõe para contar a história. O resultado é tão fabuloso que, quando finalmente um personagem abre a boca, o efeito – deliberado – é de estridência e cacofonia.

Na história escrita pelo próprio Stanton, Wall-E é um pequeno robô-faxineiro, um de muitos deixados na Terra para dar conta das montanhas de lixo e substâncias tóxicas acumuladas pela humanidade – a qual é embarcada numa nave-cruzeiro, para vagar pelo espaço até que o planeta volte a se tornar habitável. Em vez de cinco anos, no entanto, a empreitada já dura 700; Wall-E é o único robô que ainda funciona, graças às peças que retira dos colegas quebrados. E, graças à imensa competência técnica e criativa da Pixar, em apenas alguns minutos de filme já se sabe que espécie de, digamos, pessoa ele é e o que pensa de seu exílio. Wall-E é jovial, dedicado, solitário porém resignado, atento ao pouco que sobrou de beleza em seu mundo e bom companheiro (uma baratinha, felizmente muito estilizada, mora com ele em seu refúgio cheio de luzes e bricabraques). É também essencialmente um romântico, que todas as noites revê Alô, Dolly! numa velha fita de videocassete e sonha que, um dia, sua vida seja como em um musical.

Eventualmente, Wall-E ganha uma parceira – EVA, uma robô avançada, de formas suaves e temperamento explosivo, que, claro, não tem a menor idéia de que esse é o papel que Wall-E imagina para ela. EVA chega à Terra em missão ultra-secreta e consegue cumpri-la, o que acarreta sua volta imediata à nave-cruzeiro (com Wall-E a reboque) e uma revelação cômica, ainda que um bocado grotesca, sobre o destino da humanidade. Aí é que entram os poucos diálogos do filme: entre esses seres desarmônicos, que dependem da fala para se comunicar (sem necessariamente se entender, lógico). Wall-E e EVA precisam apenas de uns poucos ruídos (a cargo de Ben Burtt, criador também das vozes e sons dos andróides de Star Wars), de alguns gestos magníficos na precisão e na abrangência, e de seus olhos. Os de EVA são digitais, enquanto os de Wall-E são mecânicos e sujeitos a avarias; mas ambos produzem uma riqueza incalculável de nuances. De acordo com John Lasseter, que comanda a Pixar e dirigiu Toy Story e Carros, o olhar é a chave mestra de qualquer personagem de desenho e deve ser, portanto, o foco de toda a equipe de animadores.

De todas as produções da Pixar até aqui, Wall-E é a primeira a ter uma "mensagem" explícita, e bem chegada ao conteúdo educativo. Como tal, ela não tem nada de particularmente brilhante ou revolucionário – em resumo, o filme quer ensinar às crianças que atulhar o planeta de lixo não é uma boa idéia. Traduzido em imagens, porém, esse ensinamento da cartilha ambiental ganha outra força: aquela silhueta imponente de uma megalópole que se vê a distância, e depois cada vez de mais perto, não é feita de edifícios, e sim de torres de lixo – um colossal ferro-velho, pacientemente compactado por Wall-E no decorrer de sete séculos de solidão, e que não adianta descrever. Ele foi feito para ver.

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